Cascavel – Com denúncias de torturas e maus-tratos, presos que saíram da PEC (Penitenciária Estadual de Cascavel) após a rebelião de novembro estão procurando a Justiça para receber indenizações do Estado. A gravidade do caso foi revelada durante reunião do Cogesp (Comitê Gestor de Segurança Pública) de Cascavel, na última sexta-feira. O encontro, que sempre é aberto à imprensa, dessa vez ocorreu a portas fechadas. Motivo: foi para lavar a roupa suja. E quanto sujeira!
Três autoridades que acompanharam a reunião relataram à reportagem do Jornal O Paraná que o diretor do Patronato, ligado ao Depen (Departamento Penitenciário do Paraná), Ari Batista, usou a palavra, autoproclamando-se representante do Depen, disse que não haveria intervenção na PEC (Penitenciária Estadual de Cascavel) porque “o governo trabalha com duas frentes com os presos: a ressocialização e a retaliação. Agora estamos agindo com a retaliação e ninguém vai intervir”, declarou, após pedidos para que o governo tomasse providências no local, que abriga cerca de 780 presos em condições sub-humanas.
A “retaliação” a que Ari se referia trata-se do tratamento dispensado aos presos. Como as galerias foram destruídas durante a rebelião do dia 10 de novembro, os presos dividem espaço comum, com cerca de 0,60 metro quadrado para cada um. Passam o dia de cueca, dividem apenas um banheiro e banho é tomado no pátio mesmo, de mangueira. Fontes dizem que à noite os presos são molhados com a mangueira e dormem ao relento. Há relatos de vários feridos e doentes que estão junto dos demais. Desde a rebelião os presos não têm contato com advogados nem com familiares. E não há prazo para a situação mudar.
Em contato com a reportagem, Ari contestou os presentes na reunião e disse que não falou em retaliação, mas em “reeducação”. “Faço parte do Patronato que defende a ressocialização e citei que agora os presos estão em um processo de reeducação”. As fontes ouvidas ratificaram a informação que deram ao Jornal O Paraná.
Ari explica o que seria o “processo de reeducação”: “Eles [presos] estão arrumando o que fizeram [destruição da PEC]. O momento em que estão no pátio é reeducação. Está duro, sim, mas é um processo que todos têm que passar”.
Para o representante da Comissão dos Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) Subseção de Cascavel, Marcelo Navarro, isso “é uma irresponsabilidade”. “A pessoa falar que o Estado trabalha com retaliação, negando a igualdade entre as pessoas, voltamos ao chamado superEstado, em que nada se opõe e nada pode ser feito. Quando vemos um gestor trabalhando no sistema ignorando os meios, sabendo do efeito, que está tendo retaliação, é pra lá de nazista, um retrocesso completo”, declarou.
Na Justiça
Mas a situação não é novidade para Marcelo Navarro. Segundo ele, diversos presos estão relatando a tortura. “Cada um que nos procura estamos fazendo um boletim de ocorrência e entrando com ações individuais contra o Estado por tortura”.
Ele acrescenta que até o direito constitucional a um advogado está sendo negado aos presos: “Desde que a rebelião começou nenhum advogado teve acesso aos seus clientes, mesmo que Constituição Federal preveja isso. Mas sabemos que os presos têm procurado os advogados e todos relatam privações e torturas”.
Por que ninguém tem acesso à PEC?
A rebelião teve início no dia 9 e terminou no sábado, dia 11 de novembro. Foram pouco mais de 40 horas de violência e tensão. Desde então, familiares estão do lado de fora do presídio, impedidos de acesso aos presos, que nem mesmo com seus advogados puderam conversar. Quando saem, o que contam é assustador. As histórias vão desde corpos picados e escondidos até situações de extrema humilhação. No Estado, todos negam. Contudo, 40 dias depois do motim, nenhuma lista de presos, de fugitivos e de transferidos foi divulgada ainda. Assim como ninguém tem acesso à penitenciária: “Tem que liberar para as pessoas entrar aqui e ver o que está acontecendo. Nem um animal consegue viver assim”, disse um ex-detento ao Jornal O Paraná.
“Entramos com uma ação judicial alegando que a penitenciária não tem condições de garantir um atendimento seguro. Mas nosso pedido foi negado”, disse o advogado Marcelo Navarro, representante da Comissão dos Direitos Humanos da OAB de Cascavel.
Segundo ele, o governo do Estado pediu que a OAB bancasse a reforma da sala de atendimento aos presos, o que foi negado. “Isso é caro e a Ordem não tem condições de pagar. Com isso, eles se aproveitam para esconder o que está acontecendo lá dentro”, denuncia.
Depen nega “retaliação”
A reportagem entrou em contato com o Depen para que se manifestasse sobre as declarações do servidor nomeado em cargo de comissão pelo governo do Estado, Ari Batista. Em nota, a assessoria de imprensa informou que “o senhor Ari Batista não está autorizado a falar em nome do Departamento Penitenciário. (…) O Estado não trabalha com processo de retaliação, muito pelo contrário, atua no sentido de reconstruir a unidade penal”.
O Depen ressalta ainda que a unidade penal recebe vistorias constantes da Vara de Execuções Penais e comissões de direitos humanos de diferentes instituições e toda e qualquer denúncia é apurada com rigor pelo Departamento.
Acrescenta que logo após o fim do motim na PEC, as obras de reparo foram iniciadas para que a unidade volte ao seu funcionamento normal. “Cerca de 480 presos já foram removidos para suas celas e a direção trabalha para remover os outros 230 presos que ainda continuam nos pátios. Até o Natal todos os presos estarão em suas celas”, cita a nota.
PCC ordena manifestações com reféns
A principal preocupação da maioria das pessoas que participaram da reunião do Cogesp, na sexta-feira, é a consequência do tratamento dispensado aos presos na PEC. Eles temem uma nova onda de violência. E pelo jeito ela virá. Interceptações feitas pelo serviço de inteligência do setor de segurança pública na região conseguiram identificar que o PCC (Primeiro Comando da Capital) ordenou uma grande e violenta mobilização na cidade e na região.
O “salve”, na gíria da facção, é para que sejam iniciadas mobilizações nas cadeias onde há presos do PCC, com reféns que podem ser outros presos ou agentes de segurança. A ideia é para que os protestos ocorram em cadeia, sobretudo durante as festas de fim de ano.
Além desta articulação iminente, outra preocupa os agentes de plantão dentro da PEC. Por lá, todos temem uma nova rebelião a qualquer momento, devido à forma com que os presos estão acomodados, uma tortura física e psicológica.
Do lado de fora da penitenciária a preocupação toma conta das famílias, que só sabem o que acontece lá dentro pela voz dos detentos que conseguem a liberdade. “A situação lá dentro é caótica. Tem gente doente com tuberculose, com caxumba, gente com feridas pelo corpo provocadas por doenças de pele e pelos tiros de borracha dados durante a rebelião. Estão todos de cueca, sem banho, sem escovar os dentes, com refeições limitadas. Aquilo está um terror”, conta um preso que acaba de receber um alvará de soltura.
Entre os familiares o desespero toma conta: “A gente não sabe mais o que fazer e a quem recorrer. Quando vamos à penitenciária dizem que está tudo bem. A gente não pode entrar, mas sabemos que não está tudo bem. Se estivesse tudo certo, por que não deixam a imprensa entrar lá? Só me resta rezar e pedir a Deus que essa situação de humilhação e de tortura acabe de uma vez para o meu filho”, desabafa a mãe de um preso.
Juliet Manfrin