Cotidiano

Thiago Felix, ator: 'O talento te leva só até a página dez'

“Tenho 35 anos e sou carioca. Cresci em uma família ligada ao esporte: meu pai é técnico de futebol. Me formei em jornalismo, fui até editor de palavras cruzadas, mas sempre fiz teatro. Fui do grupo Tá na Rua e viajei para os EUA quando senti que precisava aprender mais. Acabei virando professor.”

Conte algo que não sei.

Apesar de ser professor de teatro, sou altamente antitécnica. Na minha experiência percebi que, se você é da técnica tal, tem que defendê-la e ficar contra todo o resto. Nos Estados Unidos, todo mundo que foi estudar Stanislavski (teatrólogo russo que concebeu um dos mais famosos métodos de atuação) voltou e brigou entre si. Vejo isso e penso: que perda de tempo! Hoje, há diferentes vias de acesso a uma boa atuação, mas todas querem a mesma coisa. A técnica é ruim quando você é forçado a seguir uma. A gente vai para a escola para experimentar.

Como você se tornou professor de teatro nos Estados Unidos?

Fiz teatro desde criança. Me formei em jornalismo, mas continuei atuando. Fiz parte do grupo Tá na Rua, com o diretor Amir Haddad, até que teve uma hora em que encontrei uma barreira. Conversei com um amigo que me falou de um curso de seis semanas nos Estados Unidos. Vendi o carro e apostei todas as minhas fichas nisso. No curso, conheci o método com o qual trabalho, o Lucid Body. A criadora do método disse que eu levava jeito para dar aula. Comecei a estudar e a me apaixonar, até que dei minha primeira aula na Universidade de Yale.

O que é o Lucid Body exatamente?

Ele não é só uma técnica teatral, é um processo de transformação. Envolve autoconhecimento, porque para me transformar eu preciso me conhecer melhor. Os comportamentos que a gente vê na vida são universais. Todo mundo reconhece raiva e amor. Se alguém passa na rua chorando, o meu corpo reage a isso. Ajudo o ator a identificar as reações do corpo e acessá-las conforme o personagem pede.

É quase uma terapia.

Meu foco não está na terapia, porque estou preocupado com a atuação, mas o processo é altamente terapêutico. Na escola Stella Adler, onde estudei, eles dizem que quanto melhor o ator, melhor o ser humano. Acredito nisso piamente. Quando aprendo sobre um personagem, aprendo sobre as relações humanas.

Como esse processo pode ser útlil para quem não atua nos palcos?

Agora estamos começando a dar aulas em empresas e também para vendedores, escritores e jornalistas. Muitos vêm querendo se conhecer melhor, ter outra relação com o próprio corpo. Com isso, passam a ter desempenho melhor em suas carreiras. A gente usa a desculpa de que é uma técnica de atuação, mas é uma técnica para a vida.

O ator deve se sacrificar pelo personagem?

O ator deve sair do personagem sem cair na superficialidade. Grandes atores desistem da profissão porque acham que precisariam ir aos extremos, o que não é verdade. A Meryl Streep é uma grande atriz, não vive numa montanha russa e é um ser humano com uma sensibilidade absurda.

No meio de tantas técnicas, onde entra o talento?

O talento te leva só até a pagina dez. A partir daí, tem que estudar.

Existe alguma diferença entre atores brasileiros e americanos?

O americano está focado na técnica. É um profissional altamente estudioso e mais estruturado. O brasileiro tem mais paixão e carisma. Ganha no charme.