Cotidiano

Terra teve condições de evoluir vida complexa muito antes do que se pensava

RIO ? As evidências fósseis mais antigas conhecidas atualmente indicam que a vida já existia na Terra por volta de 3,7 bilhões de anos atrás. Eram organismos simples, unicelulares e sem um núcleo definido para guardar seu material genético, conhecidos como procariontes e pertencentes aos domínios chamados Archaea e Eubacteria. Já a vida mais complexa, em que as células primeiro adquiriram um núcleo definido, conhecidas como eucarióticas, e depois se juntaram em organismos pluricelulares, formando o domínio Eukarya ? que engloba todos os animais, plantas, fungos e algas ? só começa a aparecer nos registros fósseis por volta de 1,7 bilhão de anos atrás.

Durante décadas, os cientistas creditaram esta lacuna de cerca de 2 bilhões de anos na evolução à baixa concentração de oxigênio no ambiente do planeta, tanto na atmosfera quanto diluído nos oceanos, que então concentravam toda a vida existente. Mas agora um novo estudo sugere que há 2,4 bilhões esta concentração era alta o suficiente para que a vida complexa se desenvolvesse, numa ?janela? que durou até pelo menos 2 bilhões de anos atrás, quando então os níveis de oxigênio desabaram. As razões que levaram tanto à elevação quanto à queda, no entanto, são desconhecidas.

Para determinar quanto oxigênio na forma de gás existia no ambiente terrestre há tanto tempo, os cientistas se voltaram para outro elemento, chamado selênio. Analisando traços de selênio em camadas de xisto datadas entre 2,4 bilhões e 2 bilhões de anos atrás, eles encontraram sinais de oxidação do elemento, com posterior reação de redução que deixa uma espécie de ?assinatura? química nestas rochas, que só poderiam ocorrer em situações de altas concentrações de oxigênio no ambiente.

Segundo Roger Buick, professor da Universidade de Washington, EUA, e coautor da pesquisa, publicada nesta quarta-feira no periódico científico ?Proceedings of the National Academy of Sciences? (PNAS), isto significa que houve um período longo o bastante, de mais de um quarto de bilhão de anos, para que a vida mais complexa se desenvolvesse então.

– Há evidências fósseis de células complexas que remontam há 1,75 bilhão de anos ? diz Buick. – Mas os fósseis mais velhos não são necessariamente dos (organismos) mais antigos que viveram, já que as chances de ser preservado em fóssil são bem baixas. O que esta pesquisa mostra é que havia oxigênio suficiente no ambiente para permitir que células complexas evoluíssem e se tornassem ecologicamente importantes antes de qualquer evidência fóssil, o que também não quer dizer que isso aconteceu, mas que poderia ter acontecido.

De acordo com os cientistas, o uso do selênio ? batizado em lembrança da palavra grega para a Lua ? como uma ferramenta eficaz para medir os níveis de oxigênio no passado distante também pode ajudar na procura pelo gás, e talvez também por vida, fora da Terra. Isto porque futuras gerações de telescópios tanto em solo quanto no espaço permitirão aos astrônomos estudar a composição da atmosfera de planetas extrassolares e revelar se eles têm níveis consideráveis de oxigênio livre em seu ambiente.

– O reconhecimento de que houve um intervalo no passado distante da Terra em que tivemos níveis de oxigênios próximos do moderno, mas com habitantes biológicos bem diferentes, pode significar que a detecção remota de um mundo rico em oxigênio não é necessariamente uma prova de que ele tem uma biosfera complexa ? ressalta Michael Kipp, estudante de doutorado na Universidade de Washington e primeiro autor do artigo na PNAS. – Mas esta é uma nova maneira de medir o oxigênio no passado de um planeta para ver se vida complexa poderia ter se desenvolvido lá e se ela persistiu tempo o bastante para que evoluísse em seres inteligentes.