Cotidiano

Sem Mais Médicos, Brasil busca profissionais em universidades privadas e na Bolívia

Faculdades recebem demanda por novos profissionais para substituir cubanos

Sem Mais Médicos, Brasil busca profissionais em universidades privadas e na Bolívia

A saída dos médicos cubanos do Brasil depois do fim do programa Mais Médicos permitiu que alguns estudantes brasileiros que migraram para países como Argentina e Bolívia para estudar consigam voltar ao país para exercer a profissão — uma possibilidade remota para eles até o ano passado.

Em novembro do ano passado, Cuba retirou 8,3 mil médicos que trabalhavam no Brasil por meio do programa estipulado em 2013 pelo governo anterior. O governo do atual presidente, Jair Bolsonaro, estabeleceu mudanças nos concursos para novos médicos e afirmou que vai priorizar os profissionais brasileiros tanto de faculdades de medicina privadas quanto públicas do país.

Quase todas as vagas abertas pelo concurso do governo (7,1 mil) para substituir os cubanos foram ocupadas por médicos brasileiros formados no país, mas 1,3 mil lugares permaneceram disponíveis, abrindo uma brecha para que os estudantes brasileiros formados em países vizinhos, que hoje não podem trabalhar no Brasil por causa da dificuldade em validar seus diplomas.

É o caso de Rita Rodrigues, brasileira formada pela Universidad Abierta Interamericana, em Buenos Aires, na Argentina. Vivendo na cidade desde 2011, ela foi uma das aprovadas do concurso de fevereiro para exercer a profissão no Brasil. “Foi um milagre”, disse ela. O Mais Médicos tinha como objetivo oferecer atenção e cuidados médicos aos municípios mais remotos do país — os destinos geralmente desprezados pela maioria dos profissionais brasileiros –, além de grotões nas grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro.

Segundo o governo boliviano, é em Santa Cruz — onde há uma universidade de medicina — que se assentam a maioria dos estrangeiros vivendo no país. Dos 60 mil cidadãos de outras nacionalidades na Bolívia, 38 mil estão na cidade. A colônia brasileira é a maior, seguida por peruanos, colombianos e argentinos. Uma alta porcentagem desses brasileiros são estudantes universitários que chegam a Bolívia para a carreira de Medicina. Na Universidade Cristiana de Bolivia (UCEBOL), 60% dos alunos estrangeiros são do Brasil. Os dados indicam que aproximadamente 30 mil brasileiros vivam em Santa Cruz atualmente.

Clismagna Leal, colega de Rita, afirmou à agência espanhola Efe que, quando o concurso para os médicos foi aberto, em fevereiro, as 1,3 mil vagas disponíveis desapareceram em 40 minutos, deixando de fora cerca de três mil médicos que ainda estavam preenchendo os formulários exigidos pelo governo.

Clismagna preside a Associação de Médicos Brasileiros Formados no Exterior (AMBFE), uma entidade dedicada a representar exatamente estudantes como Rita, que escolheram estudar no exterior e que analisa os fluxos migratórios de brasileiros para os países vizinhos. Segundo a AMBFE, 20 mil pessoas já se formaram em faculdades de medicina no estrangeiro, e 60 mil alunos estão matriculados em instituições internacionais atualmente.

Segundo ela, a opção que existe, para além das difíceis vagas em universidades públicas, são instituições privadas que têm expandido no Brasil. No ano passado, o então presidente Michel Temer assinou uma portaria congelando a abertura de novas grades de Medicina até 2023, assim como a expansão de novas vagas nos cursos já existentes.

O argumento do MEC era que, antes de abrir novos cursos, a pasta precisava “avaliar” e “adequar” o currículo da formação médica no país, que foi prejudicado nos últimos anos pelo excesso de novas grades. “Isso se faz necessário até porque as metas traçadas com relação à ampliação de médicos no Brasil já foram atingidas. Mais que dobramos o número total de faculdades de formação de Medicina nos últimos anos, o que significa dizer que há uma presença de formação médica em todas as regiões do Brasil”, afirmou o ex-ministro Mendonça Filho à época.

A medida foi aprovada pelo setor. O presidente do Conselho Federal de Medicina, Carlos Vital, concordou na ocasião que há um número excessivo de vagas abertas em cursos de Medicina no Brasil. “Temos algo em torno de 31 mil vagas para estudar Medicina hoje. Isso vai projetar o número de médicos per capita a uma demanda que não é compatível com países de primeiro mundo”, disse.

Para validar um diploma obtido no exterior, um médico brasileiro tem várias opções: uma delas é tentar passar no exame de validação do Instituto Nacional de Estudos e Investigações Educacionais Anísio Teixeira (INEP), que não organiza a prova desde 2016. A expectativa dos candidatos é pela convocatória do processo referente ao ano de 2017. Rita reclama do filtro excessivo existente na prova. “Fomos vítimas de prejuízos nos lugares onde estudamos e agora somos para voltar ao Brasil”, reclama.

Outra via é homologar o título no Brasil por meio de uma revalidação simplificada, que algumas universidades podem realizar desde que credenciadas no INEP.