Cotidiano

Sabe quanto custa cada menor infrator ao Estado? R$ 16 mil por mês

Valor é 22 vezes maior que o gasto com cada aluno da rede municipal de Cascavel

Cascavel – Quem tem filhos sabe o quanto custa uma criança. Além de alimentação, roupas e calçados que teimam em escapar dos pés a cada estação, educação e muitas outras despesas fazem com que os pais fiquem “de cabelo em pé” todos os meses. Isso sem contar as famílias cuja renda é um salário mínimo, de R$ 937. Agora imagine como seria poder criar um filho com quase R$ 16 mil por mês. É esse o valor que o governo do Estado gasta por menor infrator detido nos Censes (Centros de Socioeducação). Inclusive aqueles que, quando deixam o sistema, voltam a reincidir.

O Estado tem hoje cerca de mil adolescentes nas 27 unidades do Cense. Cada jovem desses custa o equivalente a seis presos do sistema regular.

Os dados são da própria Seju (Secretaria de Estado da Justiça, Trabalho e Direitos Humanos) relativos ao total empenhado no exercício de 2016 e considerando os jovens atendidos naquele ano.

Conforme a secretaria, o total gasto ano passado apenas com menores infratores foi de R$ 182.686.880,33, divididos em gestão do sistema socioeducativo (tanto da Seju quanto da Secretaria de Saúde), professores da Secretaria Estadual de Educação, recursos do FIA (Fundos da Infância e Adolescência) focados na qualificação profissional e atividades de esporte, cultura e lazer para os adolescentes. Do total, 83% é gasto com pessoal, 16% com alimentação, coleta de lixo, material de cama, mesa e banho, e 1% para investimento.

Dividido o valor pelo total de internos, que eram 952 no fim do ano passado, o custo por adolescente ficou em R$ 191.897,98 no ano, ou seja, R$ 15.991,50 por mês. Isso mesmo: R$ 15.991,50, o equivalente a 17 salários mínimos.

Por que tanto?

A reportagem de O Paraná foi atrás para descobrir por que o Estado gasta tanto com os menores infratores, valores tão desproporcionais com o que gasta com aqueles que estão na rede pública de ensino.

De acordo com o diretor do Cense II, em Cascavel, Eleandro Roberto Nicola, a rotina dos jovens começa por volta das 7h. “Eles fazem o café da manhã e seguem para as atividades. Ou vão para as salas de aula ou para cursos profissionalizantes. Perto do meio-dia almoçam, fazem a higiene e retornam para as atividades. À tarde eles têm um lanche, às 17h30 vão para os abrigos, tomam banho, jantam e descansam”.

Questionado sobre os quase R$ 16 mil gastos por mês com cada interno, o diretor disse que “esse valor é suficiente” para manter a estrutura necessária. “Temos médico, dentista, enfermeiro, assistente social, terapeuta, profissionais ligados à segurança do local e dos menores. Além das despesas com pessoal, tem alimentação, água, luz, telefone, toda estrutura necessária para que o adolescente saia desse sistema diferente do que entrou. Ele vir para o Cense é o último estágio. Antes eles passam por uma série de oportunidades para que esse dinheiro não seja gasto”.

Refeições e salários

No Cense, a empresa que fornece a marmita é escolhida via licitação, assim como na PIC (Penitenciária Industrial de Cascavel) e na PEC (Penitenciária Estadual de Cascavel). O cardápio é basicamente o mesmo: feijão, arroz, salada e algum tipo de carne no almoço e jantar; pão e café com leite, por exemplo, no café da manhã.

Já o gasto com pessoal nos 27 Censes do Estado soma R$ 150.931.241,52/ano. Somente com professores, que já recebem os salários da Seed (Secretaria Estadual de Educação) e somente um plus no orçamento por trabalhar no Cense, o montante chega a R$ 20,8 milhões. Para os profissionais de saúde, a despesa com pessoal é de R$ 19.446.139,39/ano, ou seja, R$ 1,6 milhão/mês.

Ex-diretor alerta para possível “gargalo”

Cascavel – O advogado Rafael Brugnerotto atuou como diretor do Cense em Cascavel. Ele conta que, na época, a estrutura disponível era suficiente para que o menor fosse inserido de forma adequada na sociedade. “As questões básicas e necessárias eram oferecidas. Quando eu era diretor, o Cense II de Cascavel foi escolhido como um dos melhores do Brasil pelo CNJ [Conselho Nacional de Justiça]”.

Brugnerotto garante que em nenhuma das unidades há extravagâncias com relação ao que é oferecido aos menores. “O que precisa ser visto é se todo esse dinheiro é realmente usado para a manutenção das rotinas, para as despesas necessárias, ou se existe algum gargalo que não está incluído no ideal”, alerta.

Quanto à estrutura de pessoal, o ex-diretor cita que a unidade contava com cerca de 60 educadores sociais, que trabalham em regime de escala; professores, que são vinculados à Secretaria Estadual de Educação e que recebem um adicional, chamado de “intramuros”. “Com esse valor a mais que eles recebem nos seus respectivos salários, a vaga para atuar dentro de um Centro é bem concorrida”.

Já a estrutura de saúde contava com cinco assistentes sociais, cinco psicólogos, um terapeuta ocupacional, um odontólogo, um médico psiquiatra, um clínico geral, técnicos de enfermagem e enfermeiros. “A estrutura de pessoal conta ainda com professor de educação física e música, por exemplo, para os projetos de reinserção dos adolescentes”.

CONTRAPONTO: Educação básica custa R$ 700 mensais

Cascavel – O que o governo gasta por mês com um menor infrator é possível custear uma sala de aula com quase 23 alunos da educação básica. Em Cascavel, por exemplo, a Secretaria de Educação tem o maior orçamento do Município; são R$ 243 milhões para atender aos 29.348 alunos, incluindo os investimentos na infraestrutura. Se repetirmos a conta feita com os dados da Seju, cada aluno custa por mês R$ 689,99, ou seja, miseres 4,3% do valor gasto com um adolescente em conflito com a lei.

A reportagem comparou ainda o valor com o custo de um detento nas penitenciárias estaduais. Conforme o Depen (Departamento Penitenciário), cada preso custa em média R$ 2.824,04: 82,3% a menos que um interno no Cense.

Contudo, o diretor do Cense II em Cascavel, Eleandro Roberto Nicola, afirma que essa comparação não pode ser feita: “A estrutura que é oferecida aos menores é totalmente diferente. Nos Centros temos toda estrutura com profissionais ligados a saúde, educação, orientação, atividades físicas, que não são oferecidas nas penitenciárias”. Assim como também não é oferecida às crianças e aos adolescentes da rede pública de ensino.

Importante lembrar ainda que parte dos jovens tem autorização para sair do Cense durante o dia e frequentam escolas da rede convencional e outras estruturas, como o Centro da Juventude. Ou seja, além de custarem quase R$ 16 mil aos cofres estaduais, ainda demandam outras estruturas públicas.

Custos muito além do primeiro mundo

A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) divulgou essa semana um estudo com os 35 países membros e mais dez outras nações, inclusive o Brasil. Nele, compara os gastos com a educação. Claro que o Brasil ficou muito mal no ranking. É um dos países que menos gastam nos Ensinos Fundamental e Médio, aumentando o investimento no ensino superior.

Conforme o estudo, o Brasil gasta anualmente R$ 11.818 por aluno do Ensino Fundamental e R$ 36.387 no Ensino Médio, cujas médias mensais são, respectivamente, R$ 984,83 e 3.032.

Luxemburgo é o país que mais investe na educação básica. São cerca de R$ 65.932 por ano por aluno, uma média de R$ 5.494,33. Considerando o que o governo do Estado gasta por mês com seus menores em conflito com a lei, se enviasse esses jovens para estudar em Luxemburgo, por exemplo, ainda assim economizaria, pois o custo de cada um no Brasil equivaleria ao custo de três no país de primeiro mundo.

Reportagem em números:

R$ 15.991,50 custo médio mensal por menor abrigado nos Censes do Paraná

R$ 182.686.880,33 gastos em 2016 para manter menos de mil jovens nos Censes do Paraná

952 internos estavam abrigados nos 27 Censes do Paraná em 31 de dezembro de 2016

R$ 110.669.493,47 gastos com folha de pagamento

R$ 19.446.139,39 gastos com saúde

R$ 20.815,608,66 gastos com professores da Seed

Nota da editoria

Fizemos uma conta para ilustrar o que significam esses quase R$ 16 mil por mês. Seria possível passar um mês hospedado no Hotel Bourbon, em Cascavel, por exemplo, em um quarto confortável e luxuoso, com direito a café da manhã. Valor: R$ 6.600.

Considerando almoço e janta em restaurantes de porte médio, com cerca de R$ 50 por dia, a despesa seria de R$ 1.500.

Estudar em uma das melhores escolas particulares de Cascavel, em período integral, R$ 3.000.

Ainda sobrariam outros R$ 4.900 para gastar com roupas, calçados, cursinhos, e até para a balada.