Cotidiano

Reflexão: E agora, quem vai fazer minhas unhas?

Praia, unhas descascadas e tarde de 23 de dezembro não combinam. Isso porque na noite seguinte a família vai se reunir, unhas quebradas ferem sua autoestima e no litoral não está sua conhecida manicure. Ou seja: dia de conhecer as profissionais locais e resolver seu problema estético.

A questão, então, passou a ser outra. E agora, quem vai fazer minhas unhas?

Nessa época do ano é necessário aumentar o contingente de profissionais da beleza nas cidades litorâneas, o que não quer dizer que essas pessoas são, de fato, conhecedoras das artes de tingir, cortar, pentear e depilar. Podem ter aprendido com as amigas que estão nas lides há mais tempo, podem até ter feito cursos de rápida duração para preencher as vagas de verão, já que, extinto o calor, voltam essas mulheres para suas cidades de origem, realidade que por si só não justifica um curso de longa duração em empresas especializadas. Passado o veraneio, as mulheres voltam às suas casas e retomam a função do plantio do arroz e das lides domésticas, como fiquei sabendo ser o caso das seis mulheres que trabalhavam naquele salão na temporada de verão.

Até aí tudo bem, a gente aprende um ofício conforme a prática é exercida e muita profissional competente um dia teve seu início em uma oportunidade assim, mas quando aquela senhora, indicada pela dona do estabelecimento para ajeitar minhas unhas, perguntou para as colegas onde estavam seus óculos, comecei a me preocupar. Mais do que meu dinheiro, eu perderia meu tempo e poderia até ficar com as cutículas doloridas se a mulher que procurava os óculos não o encontrasse para exercer seu trabalho. “Liga, não, olha, eu faço com a outra moça ali”, tentei argumentar, mas já era tarde. A mulher era a única disponível, e eu já estava sentada, quase embretada, na frente dela.

A mulher, afinal, não encontrou seus óculos, e perguntei se ela tinha condições de ajeitar minhas unhas sem enxergar de forma adequada. “Dá, sim”, foi a resposta, um “dá, sim” meio vazio, quase mudo de uma mulher que continuava procurando, com um par de olhos nervosos, por seus óculos enquanto pegava a lixa de unhas com uma das mãos.

Seguir meus instintos de proteção à saúde de minhas cutículas e do meu bolso, dar meia volta e procurar outro lugar para pintar as unhas foi a primeira coisa que passou pela minha cabeça, mas a razão que me manteve sentada naquela cadeira tinha raízes bem mais profundas. Entre a razão e solidariedade, na crise optei pela segunda.

Os minutos seguintes foram tensos. Por precaução, pedi que não fossem removidas as cutículas e que a senhora sem óculos se limitasse a lixar e pintar. Era o máximo que eu permitia que fizessem em meus dedos sem tremer as pernas e correr o risco de perder um bife em vez de uma cutícula. Para minha surpresa, porém, tudo transcorreu sem atropelos. A manicure, com os olhos quase que em cima dos meus dedos, até que fez um bom trabalho. Então ela se ergueu e foi até a mesa de uma colega. A mulher sem óculos pedia o spray emprestado porque não comprara todo o material necessário. Naquele momento, uma cliente ao meu lado sussurrou: “arriscou, hein?”. Sim, arrisquei, mas não foi em vão. A manicure que precisava de óculos tinha 3 filhos e ganhava no salão um bom dinheiro, renda extra que as temporárias chamavam de “fazer gordura” para enfrentar os meses de inverno. Por solidariedade, fiquei sentada; por solidariedade deu adeus ao meu dinheiro em um serviço incompleto porém bem feito. Eu até poderia estar perdendo um trabalho mais elaborado em minhas unhas mas aquela mulher, se eu levantasse, perderia muito mais do que isso: dois pacotes de macarrão, um kilo de farinha e outro de feijão deixariam de ser comprados com o que ela ganharia de comissão.

Quando a gente é mãe o olhar ganha novos contornos. Podemos não precisar de alguma coisa, podemos até manter a carteira fechada por algumas semanas nos tempos de vacas magras, mas o Dia das Mães deve ser um dia para que pensemos em quem se esforça para garantir o sustento dos seus.

Pode parecer pouco, mas, acredite, mais do que um presente – que pode até ser para sua irmã, tia ou professora – neste domingo estaremos, como consumidores, usando a solidariedade para conseguir algo muito maior do que a celebração de uma data, mas um passo a mais rumo à restauração e à credibilidade de um país que bem ou mal é nosso.