Cotidiano

Polícia Federal prende grupo por fraude de 15 anos com Lei Rouanet

bocalivre.jpgSÃO PAULO – Um esquema de fraudes na Lei Rouanet, que desviou até R$ 180 milhões nos últimos 15 anos, foi revelado ontem pela Polícia Federal (PF) em São Paulo. Para os investigadores, falhas no controle da concessão dos benefícios fiscais feito pelo Ministério da Cultura contribuíram para que os crimes ocorressem. O ministro da Cultura, Marcelo Calero, defendeu o órgão, mas reconheceu que a legislação precisa de ?atualizações?.

Ao todo, 14 pessoas foram presas na Operação Boca Livre, que cumpriu 37 mandados de busca e apreensão em São Paulo, Rio e Distrito Federal, inclusive no Ministério da Cultura. Entre os presos estão Antônio Carlos Bellini Amorim, dono da Bellini Cultural, pivô do esquema; o filho dele, Felipe Amorim, que trabalha como gerente de marketing da empresa; e o produtor cultural Fábio Ralston, segundo informou o ?Jornal Nacional?.

A PF está investigando pelo menos 250 projetos suspeitos de irregularidades. Eles foram apresentados com o objetivo de captar recursos por meio da Lei Rouanet pela Bellini Cultural e outras empresas ligadas a Antônio Carlos. Após aprovação do ministério, o grupo ia a empresas privadas interessadas em patrocinar essas iniciativas, em troca de isenção de impostos federais permitidas pela Lei Rouanet.

SUSPEITA DE CONIVÊNCIA

Em vez de levar adiante os eventos aprovados pelo ministério, o grupo usava parte ou toda a verba arrecadada por meio da Lei Rouanet em eventos privados, como festas de fim de ano de empresas, shows com artistas famosos em eventos corporativos, livros institucionais e até o casamento de Felipe, numa cerimônia luxuosa em Florianópolis. Na prestação de contas, o grupo apresentava notas fiscais falsas. A investigação revelou outras fraudes, como superfaturamento e duplicação dos projetos apresentados à pasta.

? Quem captava dinheiro era esse grupo com supostas facilitações no Ministério da Cultura, que não só propiciava as condições ideais para aprovação desses projetos forjados como também exercia uma fiscalização pífia ou nenhuma, para que esses projetos plagiados, repetidos, não fossem identificados ? disse a procuradora Karen Louise Jeanette, do Ministério Público Federal.

Segundo a Polícia Federal, só após a análise dos documentos apreendidos será possível constatar se houve participação de agentes públicos.

Investigadores ouvidos pelo GLOBO disseram suspeitar que funcionários das empresas privadas que patrocinavam projetos do grupo Bellini eram coniventes com o esquema. Agentes da Polícia Federal estiveram em dez empresas ontem, entre elas: Scania, NotreDame Intermédica, Lojas CEM, KPMG, Laboratório Cristália, Cecil, Nycomed, Atacadista Roldão e o escritório Demarest Advogados. Procuradas, elas informaram que não cometeram irregularidades e se comprometeram a colaborar com a investigação.

O advogado Eduardo Zynger, que defende Antônio Carlos, disse que seu cliente está ?sereno? e ?disposto a colaborar com as autoridades?. Ele será ouvido amanhã.

Ontem, no fim da tarde, o ministro Calero negou que o ministério tenha feito vista grossa e disse que a operação só foi possível graças a uma auditoria da pasta.

fórum cultural defende lei

Segundo a Polícia Federal, em 2014 a Controladoria-Geral da União repassou informações sobre as irregularidades, o que deu início às investigações.

? Não podemos demonizar a Lei Rouanet por conta de bandidos que formaram uma quadrilha ? disse o ministro. ? É um mecanismo que precisa de atualizações, de correções, mas tem conseguido financiar a cultura brasileira.

Em nota, o Fórum Brasileiro pelos Direitos Culturais, que reúne mais de cem instituições, gestores e representantes do setor manifestou apoio incondicional às investigações da Boca Livre. O grupo informou que a Lei Rouanet ?ocupa papel fundamental no financiamento da cultura no país? e reforçou que ?sua aplicação deve seguir padrões estritos de observância do interesse público.? O grupo afirmou esperar que a cultura e seus mecanismos de fomento sejam fortalecidos. (*Estagiário, sob supervisão de Mariana Timóteo da Costa)