Cotidiano

Pesquisador defende a importância dos micróbios no primeiro ano de vida

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SÃO PAULO ? Pais, não abusem do álcool gel. Pensem e discutam
com o pediatra antes de dar antibióticos aos seus filhos. Não tenham medo de
deixá-los brincar em tanques de areia. Mães, amamentem; mesmo que o leite tenha
que ser complementado. Se puderem, tenham um cachorro e optem pelo parto normal
em vez da cesárea. A melhor maneira de limpar uma chupeta que cai no chão é
lambê-la antes de dar de volta ao bebê. Água quente e sabão bastam para lavar
mamadeiras. Deixem as crianças se sujarem, ficarem ao ar livre. A lista acima
está relacionada a um campo da ciência que vem explodindo de cinco anos para cá:
o estudo do chamado microbioma (os micróbios e seus genes que habitam o corpo
humano). links micróbios

Esses micróbios agora começam a ser mapeados e a ter
suas funções conhecidas; vários deles, mostram estudos, regulam o sistema
imunológico. A falta de certos micróbios já foi associada a males como asma,
obesidade, autismo e diabetes.

? Doenças da vida moderna, que explodiram de 20, 30 anos
para cá. Justamente quando houve um excesso de higienização do mundo ? argumenta
Brett Finlay, microbiologista da Universidade de British Columbia, em Vancouver,
Canadá.

Finlay escreveu ?Let Them Eat Dirt? (Deixe-os comer terra, em tradução
livre), em que descreve pesquisas recentes e outras ainda em andamento mostrando
como os micróbios (principalmente as bactérias) atuam no organismo humano e são
capazes de contribuir para a saúde. O livro ganhou uma edição em Portugal, está
disponível para ser comprado on-line, mas ainda não tem data prevista para sair
no Brasil.

Essa exposição aos ?micróbios bons? é fundamental
durante a primeira infância, argumenta o pesquisador que, além de contar casos e
citar pesquisas, dá dicas de como os pais devem melhorar a microbiota
(bactérias, vírus e fungos) dos filhos.

CONEXÃO ENTRE O INTESTINO E O CÉREBRO

Os estudos são variados. O próprio Finlay Lab (o
laboratório do cientista) publicou na revista ?Science?, no ano passado, a
análise que fez colhendo fezes de 319 bebês, de 3 meses de vida e 1 ano de
idade. Ele descobriu que os bebês com mais propensão à asma aos 3 anos não
tinham, quando menores, quatro tipos de bactérias presentes no organismo de
crianças sem asma. Esses micróbios são bactérias passadas durante o parto
vaginal e o aleitamento materno e que são mortas com o uso de antibiótico no
primeiro ano de vida da criança. Outro estudo no laboratório de Finlay associou
a ausência de micróbios a um maior risco de obesidade em crianças.

? Estamos apenas iniciando o mapeamento desses
micro-organismos. Acredito que esse mapeamento irá promover uma verdadeira
revolução na medicina. Podemos criar dietas e tratamentos personalizados quando
soubermos que tipo de micróbio colocar em cada organismo ? comenta Finlay.

Há, além disso, diz ele, uma forte conexão entre o
intestino e o cérebro. Sem querer criar uma panaceia, ele vê como promissores
estudos que usam transplantes fecais em crianças autistas.

? Há muitos dados que indicam que crianças autistas têm
micróbios diferentes em seus organismos, o que é um primeiro passo. Não sei se o
transplante fecal representará a cura do autismo, mas há bastante coisa sendo
feita nesse campo.

O médico da família Ricardo Ghelman, do Instituto da
Criança da Faculdade de Medicina da USP, e Emanuel Sarinho, presidente do
Departamento Científico de Alergia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP),
dizem que há uma tendência mundial ? no Brasil apenas começando ? de se usar
menos antibióticos e pensar em como podemos estimular a imunidade de nossa
população infantil.

? Ter febre é bom para estimular o sistema imunológico
da criança. Se o estado geral estiver bom, nem medicar às vezes é necessário.
Antibiótico então nem se fala, só atua contra bactérias, e muitas vezes as
crianças têm quadros virais. Esses remédios são maravilhosos, mas seu uso não
pode ser banalizado justamente porque eles matam também bactérias do bem ? diz
Sarinho.

Ghelman indaga: ?precisamos pensar no que é mais
importante na promoção da saúde: nos mantermos afastados dos micróbios ou sermos
imunes a eles??? um desafio para a medicina moderna.

Mesmo sem conhecer o livro, Fabiana Fernandez segue seus
ensinamentos com os filhos James, de 2 anos e 7 meses, e Isabela, de 9 meses.

? Desde pequenos no tanque de areia, chupeta que cai no
chão vai pra boca e mamaram no peito. Temos um cachorro, e eles são muito
saudáveis.