Cotidiano

Penúltimo dia da Première Brasil tem discursos a favor de moradia para refugiados

Links Festival do RioRIO – A penúltima noite de competição da Première Brasil, do Festival do Rio, contou com a exibição de um filme com forte cunho político. E a sessão de gala, ocorrida no Roxy, não foi diferente. Para começar, o tapete vermelho, normalmente ocupado por celebridades posando para fotos, recebeu uma ocupação diferente: a dos integrantes da Frente de Luta pela Moradia (FLM), organização cuja presença é fundamental na trama de “Era o Hotel Cambridge”, de Eliane Caffé.

O filme compete como ficção, mas o longa de Eliane não é de fácil classificação. Conta a história de imigrantes e sem-tetos que ocupam um prédio abandonado no centro de São Paulo, onde antes funcionava a instituição que dá título à obra. Os ocupantes recebem uma ordem de despejo, e têm poucos dias para deixar o local antes de a polícia promover a retirada. Eles resistem, e decidem registrar o seu cotidiano na forma de vídeos e textos, publicados num blog, para chamar atenção da opinião pública. O movimento FLM administra a ocupação.

“Era o Hotel Cambridge” conta com alguns atores profissionais, como José Dumont e Suely Franco, mas a maioria é de refugiados que interpretam a si mesmos, ou então personagens com histórias semelhantes à dos intérpretes. Há, por exemplo, um palestino e um congolês que de fato moram no ex-Hotel Cambridge. O objetivo é desmistificar o estereótipo dessas pessoas, muitas vezes chamadas de “vagabundas” ou “desocupadas” – adjetivos usados em excesso nos comentários do site alimentado pelos moradores.

O filme revela os detalhes dos conflitos em países do Oriente Médio que forçaram várias dessas pessoas a deixarem as suas casas. “Eu vim porque tive que vir”, diz o congolês. Às vezes, é difícil identificar se estamos diante de uma cena roteirizada ou espontânea. Alguns moradores se comunicam com os seus parentes através de conversas via Skype. Essas conversas são reais, gravadas pela equipe de Eliane Caffé, que propositalmente apaga a fronteira entre dramaturgia e documentário.

“Era o Hotel Cambridge” é o único filme não inédito em competição na Première Brasil, na categoria ficção. Foi exibido no Festival de San Sebastián, na Espanha, no mês passado, onde ganhou o prêmio da indústria, dedicado ao “cinema em construção”. Aos gritos de “fora, Temer” e “golpista”, o elenco e os realizadores atravessaram o tapete vermelho do Roxy e fizeram discursos engajados.

– Vivemos, hoje, num estado de exceção – criticou Eliane Caffé, de “Narradores de Javé” (2003). – A política utiliza a lei, junto à mídia, para construir uma narrativa de criminalização de figuras políticas e de movimentos sociais. Muitas autoridades não os reconhecem. A única forma de a gente quebrar esse preconceito é se voltar para as zonas de conflito e conhecê-las. Movimentos de moradia não se lida com polícia, mas com políticas.

– Esse filme representa a nossa voz – acrescentou Carmen Silva, líder do FLM e uma das personagens centrais de “Era o Hotel Cambridge”. – É a oportunidade de mostrarmos que nós podemos conviver, desde que tenhamos nossos direitos assegurados. O confronto retratado no filme é real e atinge o mundo inteiro. Não podemos deixar de apoiar imigrantes ou refugiados. Somos apenas cidadãos de bem querendo um lar.superorqu_f03cor_2016130740_0.jpg

Antes, foi exibido o documentário “Superorquestra arcoverdense de ritmos americanos”, de Sergio Oliveira, que também confunde a linha entre ficção e realidade. Com a proposta de fazer um retrato do sertão pernambucano, o filme segue, em parte, a tradicional orquestra Super Oara, que anima festas de debutantes e outros eventos. Mas a câmera de Sergio Oliveira também se volta para cenas cotidianas do sertão, mostrando paisagens, animais e crianças brincando. Às vezes, também filma situações encenadas.

– É um recorte sobre o sertão nordestino contemporâneo, que também é mítico, através de intervenções nossas – explicou o diretor. – O filme é um experimento.

Também foi exibido o curta “Demônia – Melodrama em três atos”. A Première Brasil termina nesta quinta-feira, com sessões do documentário “O jabuti e a anta”, de Eliza Capai, e da ficção “Mulher do pai”, de Cristiane Oliveira.