Cotidiano

Obituário: Fidel Castro, o líder da revolução

Fidel Castro saiu de cena aos poucos, traído pela saúde. Em julho de 2006, problemas gastrointestinais forçaram-no a uma cirurgia – e a passar suas funções de comandante supremo das Forças Armadas, secretário-geral do Partido Comunista de Cuba e de presidente do Conselho de Estado (cargo máximo da ilha) ao irmão, Raúl, então ministro da Defesa. A doença nunca foi revelada. Em 2007, enfraquecido, escreveu um artigo no jornal ?Granma? passando o comando a Raúl, confirmado na Presidência dois meses depois.

Desde então, deixou de lado o Gabinete, mas não a política. Escreveu sobre vários temas para o jornal estatal, e suas opiniões ainda influenciavam o governo. Neste ano, suas aparições, cada vez mais raras, criaram vários rumores sobre seu estado, também cada vez mais frágil. Foi, então, a vez de se afastar definitivamente da liderança do Partido Comunista.

O homem que fundou o primeiro Estado comunista no continente americano era filho de um próspero produtor de cana-de-açúcar. Angel Castro y Argiz, pai de Fidel, teve dois filhos com sua primeira mulher, e outros cinco com a cozinheira, Lina Ruz González. Fidel era uma dessas cinco crianças. Estudou em colégios jesuítas até a faculdade. Em 1945, ingressou na Escola de Direito da Universidade de Havana. E foi no ambiente universitário que sua veia revolucionária começou a pulsar mais fortemente.

Depois de se formar, em 1950, Fidel filiou-se ao Partido do Povo Cubano, os Ortodoxos, pelo qual seria candidato ao Congresso nas eleições marcadas para junho de 1952. No entanto, em março daquele ano, o general Fulgencio Batista derrubou o governo do presidente Carlos Prío Socarrás e suspendeu as eleições. Quatro dias depois do golpe e dez dias antes de os Estados Unidos reconhecerem oficialmente o novo governo, Fidel foi à Justiça contra Batista, acusando-o de violar a Constituição. Os tribunais rejeitaram sua argumentação – e Fidel optou pela luta armada.

Durante um ano, Fidel e 165 seguidores treinaram para tomar La Moncada, em Santiago de Cuba, a segunda maior instalação militar do país. O plano consistia em prender os soldados, tomar a estação de rádio da base e lançar um apelo à população para que se juntasse aos rebeldes. Em 26 de julho de 1953, o grupo partiu para o ataque. O preço foi alto. Metade dos combatentes de Fidel foi morta. Ele e seu irmão Raúl foram presos e condenados a 15 anos.

Fidel e Raúl partiram exilados para o México, onde continuaram a campanha contra Batista. Naquele país, deu-se o primeiro encontro entre os dois personagens revolucionários mais influentes do século XX na América Latina: o próprio Fidel e o argentino Ernesto Che Guevara, que logo se tornaria um dos mais importantes colaboradores do cubano, ao lado de Camilo Cienfuegos. Seria também um dos grandes responsáveis pela adesão ao comunismo.

Ainda no México, o argentino se uniu ao líder cubano e, com um grupo de voluntários, desembarcaram em Cuba em 2 de dezembro de 1956. Dos 82 revolucionários que chegaram à ilha, apenas 12 sobreviveram e conseguiram se refugiar nas montanhas de Sierra Maestra. Durante 11 dias, os homens que restaram, tiveram que fugir, feridos, exaustos e famintos, das tropas de Batista, até sumirem nas montanhas. Diz-se, contudo, que Fidel não desanimou:

– Venceremos esta guerra. Estamos apenas começando a luta.

Até 25 de fevereiro de 1957, prevalecia a versão do governo de que Fidel estava morto. Foi então que o ?New York Times? publicou, na primeira página, uma entrevista com o líder cubano. Finalmente, em 29 de dezembro, Che tomou a cidade de Santa Clara. A revolução triunfara. Dois dias depois, Batista fugia do país, enquanto Che e Camilo Cienfuegos levavam os rebeldes para Havana. Fidel chegaria à capital uma semana depois.

Isolado pelos EUA, Fidel declarou oficialmente o marxismo-leninismo como base ideológica de seu governo. Foi então que Cuba passou a contar com o apoio formal da União Soviética. Os novos parceiros não tardaram a aproveitar a posição estratégica em relação ao território americano. Na manhã de 16 de outubro de 1962, uma terça-feira, o presidente John Kennedy convocou uma reunião com seus principais assessores na Casa Branca para mostrar-lhes as bombásticas fotografias aéreas tiradas dois dias antes por um avião-espião U-2. Nas fotos, via-se a instalação de mísseis soviéticos de curto e médio alcance na província de San Cristóbal, no Sul de Cuba, a 150 quilômetros da Flórida. Começava a Crise dos Mísseis.

Kennedy revelou a crise em cadeia nacional, no dia 22. Seguiram-se intensas negociações e trocas de ameaças entre ele e o dirigente soviético Nikita Kruschev. No dia 28, com Cuba cercada pela Marinha americana, Kruschev recuou e ordenou a retirada dos mísseis, com um acordo para que os EUA não invadissem a ilha.

Encontro com o Papa, o fim de um tabu

A história da Cuba de Fidel Castro é marcada por outras tantas lutas. O país foi isolado na Organização dos Estados Americanos (OEA) até meados dos anos 70. Enviou tropas a países da África, com a notável participação na luta em Angola contra a invasão sul-africana, em 1975. E, em 1980, permitiu a emigração de 125 mil cidadãos, a maioria instalada nos EUA. Com o fim da União Soviética, em 1991, Fidel perdeu um de seus maiores apoios, e o embargo americano se fez sentir como nunca. Ainda assim, o presidente resistiu, com medidas econômicas especiais, iniciando o chamado período especial.

Em janeiro de 1998, Fidel foi mais uma vez um dos protagonistas de um acontecimento histórico: a visita do Papa João Paulo II à ilha. Ao se despedir do Pontífice, que defendera repetidamente o fim do embargo, não se furtando, contudo, de pedir a libertação dos presos políticos cubanos, o presidente cubano afirmou:

– Creio que nós dois demos um bom exemplo ao mundo. O senhor, visitando o que alguns passaram a chamar de último bastião do comunismo. Nós, recebendo o chefe religioso a quem quiseram atribuir a responsabilidade de haver destruído o socialismo na Europa. Não faltaram os que pressagiavam acontecimentos apocalípticos. Alguns, inclusive, sonharam com isso.

Curiosamente, o último registro de Fidel divulgado ao público foi ao lado de outro Papa, Bento XVI, com quem se reuniu em 28 de março deste ano, por ocasião da visita do Pontífice à ilha. Desde que se afastou do poder, em 2007, ele fez poucos discursos públicos; optando, na maior parte das vezes, por escrever seus pensamentos e ideias.