Cotidiano

O risco do imobilismo

O Brasil tenta consolidar o primeiro passo de uma mudança: trocar o grupo que detém o poder. Anunciam-se dois passos adicionais. Primeiro, aprimorar o sistema de incentivos pelo qual se regem as transações e os comportamentos individuais. Segundo, retirar a anestesia que tem impedido os consumidores de terem consciência de seu real poder aquisitivo, a faceta mais difícil da reforma macroeconômica.

Estes dois passos adicionais são difíceis em qualquer país, mas particularmente difíceis no Brasil. Pontos que deveriam ser passíveis de modificação por determinação do Executivo ou, no máximo, por maioria congressual simples, demandam aqui votação com maioria qualificada nas duas Casas do Congresso. A forma demasiado detalhada como a Constituição rege fatos econômicos responde parcialmente por isso. Maiorias qualificadas apenas privilegiam a situação vigente (status quo). Esta pode não ser melhor do que várias das opções de mudança.

Modificar o sistema de incentivos de forma a beneficiar inovação e talento não é fácil, porque inovação é difícil e talento é raro. Na visão míope, é legislar para minorias e para o ganho de sucessores. Não dá voto rápido nem fácil. Inovação e talento tomam tempo para dar frutos. O sucesso da estratégia exige uma impecável comunicação com o público.

Dado o poder constituído, inovações são também às vezes contidas pelo temor de mudanças. Nicolau I pensava desta forma e, por isso, pagou um preço alto ao não desenvolver ferrovias na Rússia no século XIX. O fato contribuiu para sua derrota na Guerra da Crimeia. Inovações em políticas públicas costumam ser tão mais disruptivas quanto mais necessárias. E não escapam a este usual temor de mudanças.

Quando o grupo no poder tem pressa ou é fraco, fica mais fácil privilegiar o ganho de uns contra outros. Fecha-se a economia e instituem-se cartórios burocráticos. Ganham os produtores e facilitadores de plantão. Perdem os consumidores. Consomem-se riquezas e endivida-se o setor público, majorando o consumo. Em ambos os casos, desconsidera-se o investimento e o bem-estar daqueles que ainda não votam.

Imobilismo gerado por fraqueza do Executivo em relação aos demais poderes pode levar a situações as mais estapafúrdias. A luz ao fim do túnel não é uma lei natural na qual se possa apostar.

A Comunidade Polônia-Lituânia pagou um alto preço por isto no século XVIII. A fraqueza relativa do Executivo condenou o país ao imobilismo. Através do ?veto livre? (liberum veto), qualquer membro do Parlamento podia, sozinho, paralisar tentativas de mudança. A comunidade esfarelou-se. Ao final do século XVIII, foi dividida três vezes entre Áustria, Rússia e Prússia. A Polônia só voltou a ser um país independente 123 anos depois, em 1918, ao final da Primeira Guerra.

Rubens Penha Cysne é professor da FGV/EPGE