Esportes

Nos tênis clubes do Rio, bola e raquete só resistem pelo nome

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Aprender a jogar tênis no Rio é se aventurar em uma pegadinha que aproxima a vocação da cidade para o esporte e o espírito de uma época, que sequer pensava ter um torneio internacional, como o Rio Open, que termina neste domingo, no Jockey Club. Em boa parte dos tênis clubes cariocas, o esporte mais popular é jogado com uma bola maior, mais pesada e controlada com os pés. A textura da superfície até pode variar, mas não se joga futsal na grama, no piso duro ou no saibro. Em alguns clubes, o nome, a presença de raquetes e até mesmo de bolinhas dentro dos escudos são uma pista falsa: eles nunca tiveram ou cogitaram construir quadras para o esporte.

Rio Open – 24.02

A maior parte destes tênis clubes surgiu entre as décadas de 50 e 60, período dourado da carreira de Maria Esther Bueno. Entretanto, o fenômeno não se limita a um culto à personalidade da maior vencedora da história do tênis brasileiro. Para Paulo Muñoz, um dos professores de tênis mais respeitados do circuito, a razão é outra:

? O glamour associado ao esporte é muito grande e, naquela época, era ainda maior. Ser um tênis clube trazia mais status para a instituição, diferentemente de futebol clube ou atlético clube. E isto atraía mais eventos sociais, em um período no qual o Rio era capital da república.

Dois clubes da Zona Norte do Rio confirmam a teoria de Muñoz. O Marã, de Marechal Hermes, e o Piedade, fundado em 1959, levam o tênis no nome. Porém, por lá, jamais entraram raquete e bolinha.

?Todo mundo queria ter tênis no nome, era só para chamar atenção mesmo. Somos um clube de bairro e precisamos investir no retorno. Quando não há espaço físico para campo de futebol, se aposta no futsal. Por aqui, já passaram vários jogadores, como o Luiz Antônio (ex-Flamengo) ? conta Renato Fernandes, diretor de esportes do Piedade Tênis Clube.

CONCENTRAÇÃO NA ZONA SUL

Alguns tênis clubes foram fundados com espaços próprios para a modalidade que, aos poucos, perderam prestígio junto ao quadro social. É o caso do Jacarepaguá Tênis Clube, que se desfez de sua quadra de saibro em 1993 para dar lugar a um campo de futebol soçaite, alugado por hora. O presidente Marcelo Cirola ainda sonha em construir uma nova quadra para o tênis:

? Sem o tênis, o sentido do Jacarepaguá fica incompleto. Quero resgatar o esporte, mas a situação dos clubes de bairro hoje é muito difícil. Os clubes têm ficado relegados aos eventos.

Conhecido pelos temidos bailes funk de corredor dos anos 90, o Mello Tênis Clube, na Vila da Penha, abriga duas quadras de piso rápido, as únicas do esporte na Leopoldina. O presidente André Medeiros, o Dedeco, explica que o clube passou por transformações:

?Há mais de 15 anos o Mello não abriga mais esse tipo de evento. Nós temos hoje um ambiente totalmente familiar. O tênis atrai cariocas de todas as partes. Há quem venha da Barra da Tijuca para jogar aqui.

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Em muitos clubes, as quadras deixaram de existir por pressão do quadro social, que exigiu mudanças no aproveitamento do espaço, casos de América e Olaria, que ainda hoje leva uma bola de tênis no escudo. Presidente da Assembleia Geral do clube, Pedro Paulo Vital lembra da mudança:

?Nossa quadra foi transformada em uma segunda piscina, que ficou pronta em 1965. No máximo, quatro pessoas se divertem em uma partida de tênis. Uma piscina comporta muito mais no mesmo período de tempo.

Ao contrário de outros esportes, os atletas não precisam estar atrelados a instituições esportivas e podem se filiar diretamente à Federação de Tênis do Estado do Rio de Janeiro (FTERJ). Até o ano passado, a entidade tinha quatro filiados: Caiçaras, Country, Fluminense e Leme, todos na Zona Sul. A região concentra também sete das 11 quadras públicas da cidade.

? O tênis ganhou os condomínios. É provável que hoje haja mais quadras nos residenciais do que nos clubes ? afirma Paulo Muñoz.

POUCAS QUADRAS PÚBLICAS

Presidente da FTERJ, Renato Cito explica que a entidade não tem um censo sobre o número de quadras da cidade, mas uma reformulação recente em seu estatuto passou a permitir também a filiação de condomínios e academias.

? O que não temos hoje são braços para ir a campo fazer esse trabalho de filiação ? argumenta.

A falta de quadras públicas fora do eixo da Zona Sul dificulta o primeiro contato com o esporte, que acaba restrito a quem tem melhores condições financeiras. O tenista Fabiano de Paula, de 28 anos, por exemplo, conheceu o esporte por acaso. Morador da Rocinha, ele viu uma quadra pela primeira vez ao conseguir emprego de boleiro no Hotel Intercontinental, em São Conrado.

? Comecei a brincar, gostei e fui chamado para treinar no Marapendi. Mas jamais teria condições se não tivesse sido convidado. Há poucas quadras, poucos clubes que fazem algum trabalho voltado para o tênis ? diz o tenista, que há dois anos desenvolve um projeto na Rocinha.