Cotidiano

Maurício Valladares lança livro com fotos de três décadas de carreira

RIO ? A linguagem descontraída e agregadora, a seleção musical marcada pelo ecletismo elegante, as dicas inestimáveis e a presença luminosa de convidados/amigos fizeram do ?Ronca Ronca? um dos programas mais duradouros, influentes e queridos da rádio brasileira. Desde 1982, passou por emissoras, mudou de nome, deu origem a uma concorrida festa e fez a playlist de várias gerações (hoje está em roncaronca.com.br). Foi tanto som que muita gente não se dá mais conta, ou mesmo não sabe, que seu mentor, apresentador e DJ, Maurício Valladares, o MauVal, de 63 anos, é fotógrafo e autor de algumas das imagens mais icônicas do jornalismo musical do país. E não só. Nove anos após lançar um livro com imagens dos Paralamas do Sucesso (?que eu fotografo praticamente desde que eles existem?, lembra), Maurício publica ?Preto e branco?, volume com 142 fotos ? em p&b, claro ? em torno de temas que vão do futebol ao carnaval, passando, compreensivelmente, pela música. Livros, 12.11

? Este não é um livro de música, a música passa por ele. Fiz questão de incluir fotos muito conhecidas minhas, de Bob Marley, dos Paralamas e da Legião Urbana, por elas serem muito importantes no mundo da fotografia, não no da música ? esclarece Maurício.

Com organização de Raul Mourão e Christiano Calvet, o livro traz ainda textos do professor, pesquisador e escritor Fred Coelho, colunista do GLOBO, e do curador e crítico de arte Luiz Camillo Osorio.

? (Christiano e Raul) são mais responsáveis por isso do que eu, porque, na minha inércia, funciono em dub. Era para eu ter feito esse livro há muito tempo, mas meu processo jamaicano não permitiu ? brinca o fotógrafo, que irá lançar o livro no dia 21, com noite de autógrafos na Livraria Argumento do Leblon.

IMAGENS DE 1972 A 2003

Até chegar ao formato definitivo, ?Preto e branco? deu muitas voltas. Primeiro, Maurício pensou num livro mais abrangente, informativo, tipo almanaque. Mas a ideia de uma obra puramente fotográfica acabou se impondo. E bem depois veio a decisão de restringir o livro aos cliques em preto e branco:

? Meu trabalho mais pessoal é em preto e branco, porque eu sempre revelei e ampliei as minhas fotos eu mesmo, sempre gostei de processar as imagens. Este livro mostra a parte analógica do meu material, feita em filme, que vai de 1972 a 2003, quando eu mudei para a fotografia digital. Um outro livro, jornalístico (?Negativos e positivos?), que vou fazer em seguida, terá material mais recente. Veja imagens de ‘Preto e branco’, de Maurício Valladares

Anônimos e famosos ganham o mesmo peso em ?Preto e branco?, que inclui fotos inéditas e outras bem sentimentais, como a do guitarrista irlandês Rory Gallagher, ídolo de Maurício (?Quantas vezes você viu uma foto dele tirada por um brasileiro e impressa num livro??, diz).

? ?Preto e branco? mostra o jeito como eu vejo as coisas. As fotos são absolutamente simples, não têm o menor tipo de rebuscamento, nenhuma técnica apurada. Elas são baseadas no fotojornalismo que aprendi a amar. O olhar está acima de tudo, nessas fotos brota uma coisa muito plástica.

No livro, nota-se a paixão pela imagem, o impulso de captar o momento e o fascínio que o adolescente sentia pelas fotos da revista ?Realidade? e pelo filme ?Blow up ? depois daquele beijo? (?definitivo para criar várias fornadas de fotógrafos?, ele lembra). Maurício aplicou a máxima de um de seus fotógrafos prediletos, o tcheco Josef Koudelka: uma fotografia, para ter seu real valor, deve ser tirada hoje e mostrada 20 anos depois.

? Mas radicalizei um pouquinho e estou mostrando 40 anos depois ? graceja ele, para quem ?nenhuma página de ?Preto e branco? carrega o ranço do saudosismo?. ? Se eu fizer um livro com as fotos digitais que tiro hoje, vai ter a mesma afinação. Durante muito tempo eu ia ao Maracanã independentemente do jogo e saía na hora em que ele começava. Eu queria registrar as pessoas ali. O que fez essas imagens hoje terem um valor especial é que aquilo não existe mais. Nem aquele Maracanã, nem aquelas pessoas. Não é o caráter saudosista da foto que deve reinar e estar impregnado ali, é a informação. Fico feliz de chegar nesse exato instante, em novembro de 2016, e poder apresentar uma história que tem 44 anos como se fosse algo absolutamente novo. Mas nunca tive pressa de fazer nada na vida.

DE NICK CAVE A NINA HAGEN

Cada foto do livro tem sua história. A dos Paralamas, em 1986, para o disco ?Selvagem??, foi uma tentativa de Maurício de criar um clima carioca-jamaicano: foi tirada num boteco clássico, o Bar Memória, que sucumbiu nas obras da autoestrada Lagoa-Barra. A da capa do LP de estreia da Legião Urbana foi armada na sala da casa de Maurício, com a luz do sol cortada pela cortina (e mais se vê nela o baixista Negrete que o líder Renato Russo). Já a de Bob Marley saiu quando ele se preparava para uma pelada no campo de Chico Buarque.

? Tem gente que acha que prendi os dreadlocks dele na grade com grampos, mas ele estava vestindo uma camisa e, na hora de tirar os dreads da gola, eles subiram… ficou parecendo uma medusa ? conta. ? Tem muito isso da sorte de você captar um momento não planejado, que explode na sua frente. E se você tiver a rapidez de apertar o botão, vai ter uma foto especial.

Como na imagem em que Nick Cave surge com uma câmera fotográfica no rosto, em que não se vê que é ele. Ou na foto de Nina Hagen ?surfando? (na verdade imitando uma pose de surfe sobre um banco), com Ipanema e Leblon ao fundo.

A fotografia veio de berço para Maurício ? o pai e os primos se dedicavam à atividade ? e foi impulsionada pelos interesses por música e jornalismo. Ele acabou se formando em Publicidade e publicou as primeiras fotos em 1975 no ?Jornal da Música?. Mas foi decisivo ter morado em Londres em 1974-75 e 1980-81.

62641773_SC - O fotógrafo Mauricio Valladares.jpg

? Quem era fissurado por música tinha que ir lá, porque as coisas não chegavam aqui. Mas eu ainda não tinha ligação com o mundo de trás do palco, meu raio de ação ia só até a beira do palco. Eu era um fissurado disposto a ver o que me interessava ? conta. ? Em 1980, foi diferente. Publiquei fotos no ?New Musical Express?, mostrei meu trabalho nos escritórios do The Who e do Queen e fotografei vários shows de perto, com credencial. Poderia ter ficado lá, mas tive saudade do Brasil.

De volta ao Rio, ele se engajou em 1982 na missão da rádio Fluminense FM, a ?Maldita?, levando seu gosto musical para as ondas do rádio. Hoje com o Ronca Ronca na internet, diz que andou se animando com o som dos sorocabanos Monoclub e dos goianos do Carne Doce, e que vai bater ponto no show da australiana Courtney Barnett, quinta-feira, no Circo Voador.

? Não tenho tesão de baixar música, quero o disco. Ouvir música na internet não me motiva. A produção é frenética, você não consegue prestar atenção em tudo. Com a fotografia, é a mesma coisa. É tanta imagem que você não consegue mais separar a boa da ruim, vira uma maçaroca na visão. Mas minha curiosidade continua ativa.