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Luta olímpica: após vaga sofrida, armênio projeta medalha na Rio-2016

O rasgo na malha de luta, na altura do peito, e o dente frontal quebrado no meio do combate faziam de Antoine Jaoude o retrato de alguém que chegava ao limite. O obstáculo intransponível na tarde de sexta-feira foi o armênio naturalizado brasileiro Eduard Soghomonyan, que Jaoude não conseguiu empurrar uma única vez para fora da zona de combate — movimento que vale um ponto na luta greco-romana.

Na melhor de três lutas que decidiria o último representante do Brasil na Olimpíada de 2016, disputada na sede da Confederação Brasileira de Wrestling (CBW), no Rio, Soghomonyan venceu dois combates e se classificou na categoria até 130 kg, a mais pesada da greco-romana. Para Jaoude, que havia garantido um lugar para o Brasil ao ser vice-campeão no Pan-Americano de 2016, nos EUA, restou o sentimento de impotência. Como as vagas na luta olímpica pertencem ao país, e não aos lutadores, a CBW organizou a seletiva interna para dar chance a Soghomonyan, titular na categoria, que não participou daquele qualificatório alegando um problema de saúde.

— Há seletivas em todos os lugares, esse é o esporte. Por que vocês acham que eu quero tirar a vaga dele? A vaga é do país, tem regras. Ele é campeão na livre, eu sou campeão na greco-romana. É um homem de palavra, lutou a seletiva como havia combinado, tem o meu respeito. Somos amigos, não tem confusão — garantiu Soghomonyan.

DIA DO ALÍVIO

Soghomonyan não se aguentava de alegria depois do combate. Em bom português, lembrou os quatro anos de dúvidas desde que chegou ao Brasil, em 2012, para morar de favor na casa do amigo paulista Ricardo Mikaelian, descendente de armênios e que marcou presença no córner ontem. O lutador acumulou resultados expressivos representando o Brasil na greco-romana, como os ouros no Sul-Americano e no Brasileiro em 2015.

O processo de naturalização, contudo, emperrou na burocracia brasileira e colocou em dúvida sua eligibilidade para os Jogos Olímpicos. O primeiro alívio veio em junho, quando saiu o passaporte definitivo. O segundo veio ontem, com a vitória sobre Jaoude na seletiva.

— Cheguei ao pódio em todos os campeonatos que disputei, exceto o Mundial, então tenho chance de pegar medalha no Rio. A cor é que não sei. Agora acho que vai ficar tudo tranquilo, sem confusão. Antes teve problema de passaporte, de tudo. Agora não tem mais nada para me segurar. — vibrou, mal segurando as lágrimas.

A CBW considera que a seletiva foi a solução justa para a vaga e faz projeções otimistas para Soghomonyan, 26 anos.

— Pelos resultados que ele tem, óbvio que se sentiria frustrado se não conseguisse uma vaga olímpica. Já foi o 13º do mundo, e entre os 20 classificados para a Olimpíada pode derrotar vários. Um sorteio favorável e um dia bom pode levá-lo a uma disputa de medalha — projeta o superintendente Roberto Leitão.

VITÓRIA AMPLA

Jaoude, ao fim da seletiva, reconheceu que o adversário fora superior no tapete, como é chamado o espaço de competição na luta olímpica. O primeiro combate foi uma ducha de água fria: 3 a 0 para Soghomonyan. O veterano Jaoude, de 39 anos, decidiu partir para cima na segunda vez, mesmo sabendo que nova derrota encerraria a melhor de três.

Soghomonyan, de 26 anos, administrava as investidas, esperava o rival cansar e encaixava seus ataques. Chegou a abrir 4 a 0, diferença reduzida quando foi punido em dois pontos por dar uma cabeçada. Depois, ainda empurrou Jaoude mais duas vezes para fora da zona de combate, encerrando a luta em 6 a 2. Foi no primeiro de dois rounds desta última luta que Jaoude rasgou a malha e quebrou um dente.

— Não quero dar uma de chorão, sou lutador e fiz o meu melhor. Vim me preparando para o estilo livre, confiando que a CBW arrumaria um convite, mas talvez eles não tenham se esforçado ao máximo — criticou Jaoude, indicando que pensa em uma solução judicial para reaver a vaga perdida:

— Tenho um mês para buscar meus direitos (a greco-romana estreia dia 14 nos Jogos). Vou conversar com meus advogados. Treinei junto com o Eduard algumas vezes, sempre apoiarei alguém da seleção. O problema nunca foi ele. Mas sou lutador, vou lutar até o fim.

Jaoude viveu imbróglio semelhante em 2008, quando se classificou para os Jogos de Pequim ao ser vice na seletiva pan-americana, mas acabou sem vaga após uma falta de entendimento da Confederação Brasileira de Lutas Associadas (CBLA) com a Federação Internacional de Lutas Associadas (Fila).

Naquela época, diz ter gasto cerca de 20 mil euros em encargos judiciais tentando reaver sua vaga, sem sucesso. O valor é bastante superior, por exemplo, aos R$ 10 mil que ele calcula ter recebido pelo vice na seletiva pan-americana de 2016, por exemplo. Antes de entrar em novas batalhas na Justiça, porém, Jaoude tem preocupações mais imediatas.

— Quero ver quem vai pagar pelo dente agora — arrematou, abrindo um raro sorriso na tarde de sexta-feira.