Cotidiano

Líderes republicanos deixam Trump, mas eleitores defendem magnata

WASHINGTON – Donald Trump começa a reta final das eleições americanas mais isolado do que nunca. Os recentes escândalos sexuais do magnata ? que numa gravação de 2005 usava palavras vulgares para se referir a mulheres, mesmo casadas, dizendo que poderia fazer tudo o que quisesse por ser ?uma estrela? ? levou a um abandono de sua candidatura pelo Partido Republicano. Ao menos 35 líderes de peso da legenda anunciaram o afastamento ou a suspensão do apoio ao magnata no fim de semana, segundo a imprensa americana ? juntando-se a mais de cem outros políticos conservadores que já tinham tomado tal decisão.

Trump ainda tentava reagir: divulgou um vídeo de uma suposta vítima de estupro de Bill Clinton e organizou uma apresentação, transmitida ao vivo pelo Facebook, com as mulheres que acusaram o ex-presidente de má conduta sexual, indicando que tentar arrastar a campanha adversária para a lama tendia a ser a estratégia a adotar nos últimos 29 dias até a eleição de 8 de novembro.

O tom desafiador do magnata era uma pista do caminho que devia trilhar no debate de ontem à noite ? que não havia começado até o fechamento desta edição ? reforçando que continua com muito apoio, inclusive de mulheres, algo indicado por algumas pesquisas realizadas após o escândalo. Mas o nível de ataques ao republicano voltou a subir, inclusive do presidente Barack Obama.

Sem a renúncia, a suspensão do apoio à sua candidatura foi o caminho encontrado para buscar a sobrevivência do partido, que teme perder o controle do Senado e da Câmara de Representantes. ?Há a crescente percepção de que os republicanos arriscam a sobrevivência do partido, amarrando-a Trump?, escreveu o ?Washington Post?.

? Este escândalo pode afetar a disputa pelo Congresso de várias maneiras. O que está por trás disso tudo é o cálculo eleitoral. Estes republicanos estão pensando nas eleições duras que terão em seus estados, muitos deles estão em campanha, e isso é o que direciona o abandono ou o repúdio a Trump ? afirmou ao GLOBO Peter Hakim, presidente emérito do Inter-American Dialogue.

?As previsões para o Senado, que eram extremamente disputadas até sexta-feira à noite, agora são terríveis para os republicanos?, escreveu Sean Trende, do site ?Realclearpolitics?: ?A partir de hoje, prevemos que os republicanos possam perder cerca de 15 cadeiras na Câmara. Uma perda significativa, mas não suficiente para mudar controle?.

A onda de críticas e deserções da campanha continuou no domingo. Congressistas, candidatos, governadores e até a direção nacional do partido condenaram as declarações de Trump ? e não mudaram de posicionamento após os pedidos de desculpa do magnata. Muitos defenderam abertamente sua renúncia, mas Trump passou o sábado negando que faria isso. E sua campanha ameaçou retaliar os candidatos republicanos que o abandonarem por estar ?mais preocupados com seu próprio futuro político do que com o país?.

Mesmo os mais leais a Trump tinham dificuldade de defendê-lo. Rudolph Giuliani, ex-prefeito de Nova York que não disputa eleição e é um dos mais próximos apoiadores do magnata, disse que ?homens antigamente falavam assim?, mas que isso não se justifica. Mas pediu, em entrevista à CNN, que os eleitores ?aceitassem o pedido de desculpas?.

E coube a Obama fazer o mais forte ataque a Trump, entre os democratas. Em um comício em Chicago, o presidente disse que as declarações do bilionário se gabando de apalpar, beijar e até tentar fazer sexo com mulheres por ser rico são ?inacreditáveis, degradantes e humilhantes?:

? Uma das coisas mais perturbadoras desta eleição é a retórica inacreditável vindo da liderança da chapa republicana. Não preciso repetir, porque há crianças no ambiente ? disse Obama, que lembrou que Trump não é novato neste tipo de insultos, que já afetou, em outras vezes, mulheres, imigrantes, muçulmanos, veteranos, deficientes e soldados americanos. ? Ele não liga para os valores básicos que tentamos levar às crianças. Isto mostra que ele seria descuidado com a civilidade e o respeito que uma democracia vibrante requer.

Mas analistas discordam do discurso de opositores, parte dos republicanos e da mídia, que indicava um jogo quase definido a favor de Hillary. Hakim, do Inter-American Dialogue, afirma que o escândalo prejudica muito Trump, mas lembra que ele ainda tem caminhos para a vitória.

? Para muitos eleitores, o ódio a Hillary Clinton tende a ser maior que o desprezo por estas palavras de Trump. Não acredito que ele perderá muito apoio, embora tenha ficado mais difícil para ele, agora, conquistar os votos dos moderados e independentes de que precisa para vencer. Mas muitos que estão com ele votam para impedir que a Suprema Corte se torne progressista (o presidente indica o juiz, que é aprovado pelo Senado).

Segundo o analista, a maior parte dos eleitores de Trump vota por suas propostas sobre imigração, tratados comerciais (ele defende o protecionismo para a recuperação de empregos), pela raiva a políticos em geral, em especial a Hillary, e contra aborto ? líderes religiosos já afirmaram que continuarão a apoiá-lo, por causa do último posicionamento.

A pesquisa Politico/Morning Consult, divulgada no domingo, confirma a tese de Hakim. Segundo o levantamento, feito no sábado, apenas 39% dos eleitores acreditavam que Trump deveria desistir de sua candidatura. E, mais importante: só 12% dos republicanos, e 13% das mulheres republicanas, creem que a renúncia é o melhor caminho. A pesquisa indicava Hillary com 42% das intenções de votos, contra 38% para Trump.