Cotidiano

?Lava-Jato continua se expandindo?, diz coordenador da força-tarefa

2016 898602278-2016 898513956-201603251811235141.jpg_20160325.jpg_20160326.jpgLONDRES ? Os procuradores federais Deltan Dallagnol e Paulo Roberto Galvão de Carvalho, integrantes da força-tarefa da Lava Jato, descartaram a possibilidade de a Lava-Jato estar chegando ao fim. Segundo eles, a maior parte das informações já obtidas ainda está por ser apurada:

? Em relação ao esquema que já se sabe, nós formulamos acusações criminais formais em relação a menos de 50% do esquema. E a investigação continua se expandindo em relação a novas frentes de investigação hoje ? afirmou Dallagnol, que é coordenador da força-tarefa do Ministério Público à frente das investigações.

Os procuradores conversaram com O GLOBO após palestra no evento Brazil Forum, que ocorreu entre sexta-feira e este sábado, na London School of Economics e na Universidade de Oxford. Os procuradores afirmaram que contam com o apoio da sociedade para dar prosseguimento à operação.

Mesmo evitando comentar sobre a pressão que as investigações têm gerado sobre o governo de Michel Temer, os investigadores reafirmaram que vão apurar eventuais crimes, não importando o partido ou a coligação dos suspeitos. ?O nosso compromisso é apurar corrupção envolva quem for de modo cego, apartidário, técnico e imparcial. Esse é o compromisso que temos com a sociedade?.

O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, disse que a força-tarefa da Lava-Jato saberá o momento de concluir as investigações. Até quando deve durar a Lava-Jato?

Dallagnol: Não vou comentar especificamente a fala do ministro. A Lava-Jato e a Mãos Limpas tem várias semelhanças e várias diferenças. Dentro das semelhanças estão a abrangência da investigação, o fato de que existiu uma empresa também de petróleo no centro das investigações. O fato de a corrupção fluir em favor de agentes públicos vinculados a essa empresa. Em relação também a agentes políticos, como no Brasil. Até mesmo o percentual da propina paga era semelhante. Era de 3%. O que aconteceu na Itália é que depois de dois anos em que a operação teve um grande apoio da sociedade, esse apoio começou a ser erodido por críticas de abusos que eram infundadas. Esses abusos jamais foram comprovados, mas foram suficientes para eludir um pouco da intensidade da opinião pública abrindo espaço para um contra-ataque. O sistema corrupto contra-atacou.

Nós estamos vivendo, há vários meses, não só sob a égide desse governo (interino), mas anteriormente também, um momento em que o número (de investigados) de políticos e pessoas poderosas têm se expandido. Com isso, é esperado que venham contra-ataques do sistema. Nós não temos opções. A única opção que a lei nos deu é continuar fazendo o nosso trabalho de investigação. Esse é o comando que a sociedade nos deu já por meio da Constituição. Então os investigadores da Lava-Jato não têm escolha. O nosso compromisso é investigar todos os fatos e apurar a responsabilidade de todo mundo, seguindo as leis e a Constituição. Contra eventuais reações, o nosso único escudo, o nosso único apoio é a opinião da sociedade. Precisamos da sociedade para que possamos executar a missão constitucional que ela nos atribui.

A operação não tem um fim em vista?

Paulo Roberto Galvão de Carvalho: A operação não tem um limite, seja temporal ou de fatos, dizendo que a operação acabou. O que existe, e é natural que exista, é que nós estamos há dois anos com a investigação e ela tem um escopo que é tudo o que surgir e pode ter acontecido nesse esquema que possa ser investigado. Depois de dois anos de investigação, nós já temos a possibilidade de antever um cenário, de perceber o que foi esse esquema. A gente está hoje em uma fase de expansão das investigações. Essa fase da investigação é que, talvez, dentro de mais alguns meses, que pode ser no final do ano ou no começo do ano que vem, pode ser que tenhamos expandido tanto que desse esquema não consigamos mais expandir.

Quando as investigações pararem de se expandir, ainda assim, teremos uma série de atos que já temos o conhecimento hoje, mas que ainda não temos todas as provas para fazer o processamento e a punição dessas pessoas. Então, por exemplo, só no cartel, que foi uma das primeiras coisas que surgiu. Eram 16 empresas no cartel. Dessas 16 empresas, propomos ações penais relacionadas a sete dessa empresas. Então, somente dentro do cartel ainda temos a metade (do número de empresas suspeitas de participação) ainda por processar.

E, mesmo quando a Lava-Jato tiver essa noção geral de tudo o que ocorreu, ainda assim teremos muito o que fazer em termos de processar, julgar. Os tribunais vão seguir julgando por muitos anos ainda com certeza.

Dallagnol: Em relação ao esquema que já se sabe, nós formulamos acusações criminais formais em relação a menos de 50% do esquema. E a investigação continua se expandindo em relação a novas frentes de investigação hoje.

Com relação a novos fatos, em algum momento é provável que se esgote. Embora, teoricamente, investigações sejam dinâmicas e você possa sempre ter novos colaboradores que expandam as investigações.

Muitos na classe política tem apontado exageros da força-tarefa e do juiz Sérgio Moro na condução da Lava-Jato. Há erros na operação?

Dallagnol: Eu desconheço qualquer ato que tenha sido praticado que tenha transbordado o que a Constituição e a lei permitem. Mas é difícil falar de modo geral.

Em relação ao caso dos grampos nos telefones do ex-presidente Lula, em que parte foi considerada ilegal pelo Supremo e no caso dos pedidos de prisão dos senadores, também negado pelo STF?

Dallagnol: Não vou comentar coisas que não estão na nossa esfera de atribuição da primeira instância. Mas quando foi decidida a publicidade das intercepções relativas ao ex-presidente escutei críticas de que aquela tinha sido uma decisão errada. Mas, mesmo quando um tribunal revê uma decisão de primeira instancia, aquilo não torna a decisão ilícita. Senão, todas as revisões no nosso sistema judicial, teríamos infindáveis atos ilícitos e indenização por erros judiciais. Aquela decisão deve ser entendida dentro de um contexto de um poder que foi dado ao juiz e que foi exercido, que é o de interpretar a lei e a Constituição. Do nosso ponto de vista, a decisão da primeira instancia foi correta. Tanto que pedimos a publicidade dos autos. Existe um sistema de recursos e que o prevalece é essa cadeia. Nós respeitamos essa cadeia, mas ainda assim, podemos discordar dela.

A Lava-Jato pode ser considerada responsável pelo ambiente de crise política em que o país vive agora?

Dallagnol: Eu não colocaria nesses termos. A crise política decorre de um problema de relacionamento entre crise política e de Congresso. O que se pode entender por crise política?

Uma crise generalizada, uma crise na qual tanto o governo Dilma quanto o governo interino estão não só sob forte crítica, mas não estão conseguiram sustentar suas indicações nos cargos?

Dallagnol: Entendi. Na minha visão, a responsabilidade dos efeitos da Lava-Jato é de quem praticou os crimes. Esses são os grandes responsáveis pela crise. A apuração existe porque foram cometidos crimes. O que estamos fazendo é aplicar a lei e exercer o nosso papel constitucional e legal. É inevitável que a Lava-Jato insira um componente de instabilidade no ambiente político porque as alianças políticas se tornam instáveis. Porque um politico não sabe se a pessoa com a qual ela quer ter um vínculo político amanhã não vai ser uma pessoa investigada ou aparecerão provas contra ela. É nesse sentido que a Lava-Jato oferece um ambiente de instabilidade política, mas a responsabilidade pela instabilidade política eu jamais atribuiria à Lava-Jato e sim à prática de crimes em um momento anterior.

Mais ainda, eu vejo esse momento de crise política como um momento que nos mostra o quanto o sistema político está apodrecido e o quanto é urgente a necessidade de que uma reforma desse sistema para que, ao invés de estimular a corrupção, ele possa desfavorecer a prática de corrupção no futuro.

A Lava-Jato faz um diagnóstico do problema, mas como sociedade precisamos encontrar uma solução.

Então o problema não é a Lava Jato, mas sim o sistema permissivo?

Dallagnol: O problema não é a Lava Jato, mas sim o sistema apodrecido.

Os inquéritos envolvendo o ex-presidente Lula voltaram para as mãos da primeira instância, retornaram para a força-tarefa, em Curitiba. O que podemos esperar em relação a isso? Os senhores devem apresentar alguma denúncia contra o ex-presidente?

Carvalho: Não podemos adiantar se existirá acusação criminal nos próximos dias porque é uma investigação em andamento. Continuaremos investigando como antes e formularemos nossa opinião jurídica quanto à existência de responsabilidade por crimes dentro de um padrão que nos permita oferecer uma acusação criminal.

Mas os senhores podem avaliar, levando em consideração o Código Penal, se atos do ex-presidente incorrem em práticas que impliquem em um pedido de prisão?

Dallagnol: Existem diferentes graus de exigência probatória no nosso sistema para diferentes tipos de manifestações e decisões. Em um momento anterior, nós pedimos buscas e apreensões em relação ao ex-presidente e pessoas relacionadas porque existiam um corpo probatório que estabelecia um nível de convicção correspondente ao necessário para esse tipo de medida. Em relação à formulação de uma acusação criminal, o nível de exigência probatória é um pouco diferente e vamos nos manifestar sobre isso em um momento oportuno.

Carvalho: Só um detalhe. O ex-presidente foi denunciado pelo procurador-geral no caso da gravação do (Nestor) Cerveró com o Delcídio Amaral. Esse caso deve descer (para a primeira instância) também. Então haverá uma ação penal contra ele. Ela é baseada no fato pelo qual Delcídio Amaral foi processado, o pagamento para que Nestor Cerveró não fizesse delação. Posteriormente, a delação do próprio Delcídio identificou que o ex-presidente Lula tinha participação nisso.

Que participação?

Dallagnol: É um caso que não veio ainda para a primeira instância. Mas é um caso em que o ex-presidente já está denunciado. Quando for para a primeira instância nós vamos ficar mais à vontade para avaliar.

Carvalho: E vai descer porque ninguém mais tem foro privilegiado.

Pela legislação, um presidente não pode ser investigado por fatos anteriores ao mandato. Esse, inclusive, é o entendimento do procurador Rodrigo Janot. Mas e se algo surgir algo ao longo das investigações comprometendo o presidente interino?

Dallagnol: Isso é primeira instância e não diz respeito à nossa atuação.

Na condição de eleitor, o senhor acredita que o país está ficando sem alternativas políticas? Por quê?

Dallagnol: Minha opinião como eleitor não é relevante para a minha atuação no caso.

Os integrantes do governo Temer incorreram nos mesmos erros e delitos dos integrantes do governo Dilma?

Dallagnol: Sem entrar no caso concreto, eu diria que a corrupção não tem cor, não tem partido. Ela existe há séculos no Brasil. Apenas na década de 90 tivemos 88 casos de corrupção só na área federal. O nosso compromisso é apurar corrupção envolva quem for de modo cego, apartidário, técnico e imparcial. Esse é o compromisso que temos com a sociedade.