Esportes

Judoca diz que familiares desconhecem sua participação na Olimpíada

mabika.jpgRIO – Uma Olimpíada é um megaevento com exposição global, feita para um público de bilhões de pessoas, numa era hiper-conectada. Os passos dos atletas são seguidos de perto por um batalhão de jornalistas e, principalmente, por familiares e amigos. Mesmo assim, pelo menos uma atleta olímpica diz que a família desconhece sua participação nos jogos. Refugiados na Olimpíada

A judoca Yolande Mabika, de 28 anos, entrou no tatame da Arena Carioca 2 na manhã desta quarta-feira com a certeza de que seus familiares não sabiam de seu paradeiro. E mais: Yolande não sabe se eles estão vivos.

? Minha família não sabe que eu estou aqui. Com certeza a competição olímpica está passando em todos os países. Se eles estão vivos, se eles viram, eles podem procurar um endereço meu ? disse a judoca depois de estrear e ser eliminada após uma luta que durou apenas um minuto e três segundos.

Yolande é uma dos dez atletas do time de refugiados montado pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) para a Olimpíada no Rio. Outro judoca do time é Popole Misenga, 24, que também competiu nesta quarta.

Popole chegou a ganhar a primeira luta e perdeu a segunda para o líder do ranking mundial, o sul-coreano Donghan Gwak, o que levou à sua eliminação. Os dois são do Congo e moram no Brasil, onde treinam no mesmo instituto ? o Reação ? que revelou Rafaela Silva, a única medalha de ouro do Brasil até agora na Rio 2016.

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As histórias de Yolande e Popole têm pontos em comum. Os conflitos no Congo levaram os dois a serem afastados dos pais quando eram crianças. Eles passaram a viver em orfanatos. Yolanda chegou a ser resgatada por um helicóptero e a ser levada para outra cidade no país, lembrança que ainda mantém viva. Popole ficou oito dias escondido numa floresta, até ser encontrado e levado para um orfanato.

Os dois descobriram o judô na infância e, no Congo, eram submetidos a um treinamento que envolvia corte na comida e aprisionamento diante de maus resultados. A última competição oficial deles foi em 2013. Desde então moram no Rio. Voltaram a pisar num tatame para disputar uma Olimpíada.

? Estou feliz porque todas as crianças no meu país sonham em participar de uma Olimpíada. Os brasileiros viraram a minha família. Família de sangue eu considero que não tenho ? afirmou Yolande.

A atleta sofreu um ippon, na disputa com a israelense Linda Bolder, com um minuto e três segundos de luta. Popole conseguiu vencer o indiano Avtar Singh e avançar na disputa. Diante do sul-coreano, no chão, o atleta sofreu um ippon depois de quatro minutos e um segundo de luta.

Os torcedores brasileiros na arena abraçaram os dois congoleses ? torceram por eles como se fossem do Brasil. Popole tem mulher e filho brasileiros.

Yolande e Popole COI.jpg

O técnico dos dois, que os acompanhou no tatame, é Geraldo Bernardes, o mesmo de Rafaela Silva. Ele contou depois das lutas que, até ontem, Yolande não havia comprado nem mesmo a camiseta branca necessária para a disputa.

? Quando eles chegaram ao instituto eles tinham fome, não tinham nem o kimono. O que antes era só um ato de solidariedade virou um treinamento. Eles fizeram a concentração com o time do Brasil, o que deu um ‘upgrade’. Eles não lutavam desde 2013 ? disse Geraldo.

O treinador exaltou o feito de Popole, que venceu uma luta e encarou o número um do ranking mundial:

? O sul-coreano levou quatro minutos e não conseguiu derrubar Popole. Ganhou no chão. Para se ter uma ideia, no Congo, quando eles perdiam, eram colocados numa jaula e tinham 50% da comida cortada. Para ele, então, era muito melhor encarar o número um do mundo do que ir para a jaula. Nossos outros atletas foram preparados em quatro anos. Yolande e Popole tiveram quatro meses.

Popole afirmou que, ao sentir que tinha torcida na arquibancada, se viu obrigado a vencer a primeira luta. Agora, ele tem uma meta: vencer o sul-coreano que o tirou da Olimpíada.

? Vou treinar para outras competições e tentar ganhar uma medalha numa Olimpíada. Vou atrás desse campeão do mundo para ganhar dele.