Cotidiano

Grupos que comentam sobre pessoas falecidas têm milhares de adeptos

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RIO ? Pode parecer mórbido, mas, todos os dias, um grupo no Facebook compartilha, entre mais de 26 mil seguidores, perfis de pessoas que acabaram de morrer. Junto com o link, os membros do ?PGM – Profiles de Gente Morta? postam o nome do falecido ? entre caracteres em formato de cruz, como mandam as regras próprias ? e a causa do óbito. Em seguida, os participantes frequentemente se engajam em discussões sobre os casos nos comentários ? muitas vezes até de forma alongada e intensa, o que exige um monitoramento constante dos seis administradores do grupo, que é fechado, ou seja, o internauta só pode aderir com a devida autorização dos responsáveis pelo espaço.

Links Morte

No dia 18 de setembro, a brasileira Janaina Diniz foi encontrada morta com marido e dois filhos na Espanha. Eles foram assassinados pelo sobrinho de seu cônjuge. O caso, que gerou repercussão internacional, está sendo discutido até hoje na página. O post em questão acumula mais de 340 comentários. Além de observações com a frequente abreviação ?DEP?, que significa ?Descanse em paz? (versão em português do ?R.I.P? na língua inglesa), os membros da página compartilham links de notícias e até informações fuçadas nos perfis de parentes.

O grupo é o maior desse tipo no Facebook, mas há muitos similares, como o ?PGM – Profiles de pessoas que cometeram suicídio?, com 1,5 mil pessoas, e ?PGM-Profiles de Gente Morta, Viçosa-MG?, com 247 participantes. Segundo relatos de quem segue as comunidades PGM, também há grupos parecidos no WhatsApp.

Curiosidade mórbida? Interesse profissional? Busca por reflexões sobre a vida e a morte? Para Priscilla Odara, técnica de enfermagem auxiliar em necropsia e estudante de psicologia, de 30 anos, há entre os membros do grupo os mais variados interesses. Ela é administradora da página há dois anos e encontrou ali um campo de pesquisa sobre suicídio.

? Entrei no grupo motivada em estudar o perfil na internet de pessoas que cometem suicídio, buscando por sinais no Facebook de que elas iriam fazer isso. Sou voluntária na prevenção do suicídio, então o acesso ao grupo me dá muito conhecimento. Além disso, dentro da página, algumas pessoas falam abertamente em cometer suicídio, então eu me aproximo delas para estender a mão ? diz Priscilla.

Info – Morte

A página no Facebook tem origem em uma comunidade no Orkut com o mesmo nome, criada em 2012. Segundo os administradores, a expansão do grupo ao longo do tempo exige rigor na moderação: o texto de apresentação exibe 13 regras, como a exigência de que não sejam compartilhadas fotos de corpos e de que os usuários não procurem conhecidos das vítimas para fazer perguntas ou até comentários. Às vezes, é preciso que os administradores discutam entre si, virtualmente, sobre alguns casos específicos e como proceder.

? O movimento na página é muito grande durante todo o dia. Arriscaria dizer que dificilmente houve um momento no grupo em que não houvesse um administrador on-line ? explica a técnica em enfermagem, que compara a página a um ?obituário online?.

Para Carlos Affonso Mello, mestre em Comunicação Social pela PUC-Rio com a dissertação ?Finitude, tecnologias e ritos digitais: uma análise sobre a morte e o luto no Facebook?, apesar de existirem regras de conduta na comunidade, a página representa um espaço aberto para debater sobre a morte.

? Este é um dos aspectos pedagógicos do grupo: sendo a morte ainda um tabu na sociedade, muitas pessoas encontram ali um espaço para falar sobre isso ? comenta Mello, que fez uma ?imersão? na comunidade para escrever um capítulo sobre a página na dissertação. ? De modo resumido, posso dizer que a ?PGM? une pessoas que se espantam, se sentem tocadas ou angustiadas diante do mistério da morte.

Assim como o grupo PGM adaptou suas regras ao longo tempo, o mesmo fez o Facebook: no ano passado, a plataforma ofereceu a opção para os usuários acrescentarem um ?contato herdeiro?, um perfil de uma pessoa que, após a morte, poderá administrar a página do falecido ? com restrições, claro. Há ainda a possibilidade de tornar um perfil em ?memorial?, o que mantém informações e interações na página da pessoa morta.

?A partir do feedback que recebemos das pessoas que perderam entes queridos, percebemos que poderíamos fazer mais para apoiar os que estão em luto, e também aqueles que querem escolher o que será feito com o perfil. Passamos, então, a oferecer opções para que as memórias continuem vivas, sempre respeitando a privacidade de quem faleceu?, escreveu o Facebook, em nota.

PRÁTICAS ANTIGAS RENOVADAS

Para Affonso Mello, as PGMs são a atualização de práticas antigas em relação à morte.

? Deixar mensagens no perfil de um falecido é como escrever cartas ou fazer orações, em certa medida. Existem sites em que é possível ?acender? velas virtuais para seus mortos. Mas também há casos controversos, como plataformas que se propõem a mapear pegadas digitais do falecido ou arquivar referências de voz e imagem para simular quem já morreu em um ambiente digital.

A fisioterapeuta Eliciane Lang, de 46 anos, também administradora do grupo, se lembra sempre da universal verdade: a morte vem para todos.

? Aprendi no grupo que a vida é um simples sopro. O ser humano dá muita importância ao que não é importante, deixando de ver que a felicidade está nas coisas mais simples. Já da morte ninguém foge, ela chega… E daqui nada se leva.