Esportes

Favela corre na veia de Rafaela Silva

OLYMPICS-RIO_SILVA-FAVELAPensar que a medalha de ouro de Rafaela Silva é uma história de superação ? da menina que escapou de todos os males que há nas favelas cariocas e convive com o racismo ? é pouco. Rafaela passou o seu primeiro dia de campeã olímpica, ontem, falando sobre sua infância e da covardia que sofreu em Londres-2012. Mas, ao receber a reportagem numa sala reservada de um dos hotéis mais luxuosos do Rio, a judoca deixou claro que não aceita o papel de vítima. A história de Rafaela no Rio-2016 vai além, é a consagração do que o esporte pode fazer por uma pessoa, e o que uma pessoa pode fazer para o esporte. Afinal, não existe esporte sem atletas. Rafaela Silva – judô – 09/08


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Rafaela ainda tenta entender o que está acontecendo com ela. Ficou surpresa por sua conta no Instagram ter mais do que sextuplicado, numa noite que ela mal dormiu. Após o pódio e a série quase infinita de entrevistas, a judoca só chegou para descansar na Vila dos Atletas de madrugada. Entrou devagarinho para não acordar Mariana Silva, que dormia no quarto da frente e competiria em poucas horas, mas não teve jeito. Todos queriam entrar em seu quarto para ver a tão desejada medalha dourada. Foi dormir às 4h da manhã e acordou às 8h, para recomeçar a bateria de entrevistas:

? Teddy Riner (francês peso pesado), o maior nome do meu esporte e meu ídolo máximo, tem 115 mil seguidores. Hoje, minha conta saiu de 20 mil para 129 mil. Quem vai me explicar isso?

A confusão é tanta que Rafaela, ontem, quase fez jejum. Conseguia ingerir apenas água e suco. De tarde, assessores tentaram fazê-la almoçar. Mas a judoca apenas petiscou salgadinhos diante do farto e sofisticado bufê que lhe ofereceram, enquanto acompanhava as lutas de Victor Penalber e Mariana Silva pela televisão. Nos intervalos, via reprises de suas lutas no torneio.

?CADÊ O ZÉ PEQUENO, RAFA??

Na terça-feira, Rafaela queria mesmo era ter ido para a Arena Carioca 2 acompanhar o quarto dia de judô. Mas foi convencida de que o assédio seria tanto que poderia prejudicar o andamento da competição. À princípio, ela pretende ir para sua casa na Freguesia assim que sair da Vila, no próximo dia 14.

? Eu viajo tanto competindo que eu quero é ficar em casa. Ir visitar minha mãe, que ainda mora na Cidade de Deus (comunidade onde foi criada e que teve um tiroteio ontem poucas horas depois de a judoca ter subido ao pódio).

Rafaela ainda pensa competir este ano, mas não sabe qual será o seu próximo torneio. Não pensa largar o esporte, conforme cogitou após Londres-2012, pois sabe a importância que ele traz a sua vida, além da própria superação em si. O judô e sua disciplina ajudaram a canalizar toda a agressividade e raiva que Rafaela sentia ao tentar se afirmar em sua infância. Em determinados momentos, entretanto, canalizou até demais a ponto de Rafaela relaxar.

? Em 2014, perdi minha agressividade nas competições. Minha coach Nell Salgado me ajudou bastante a superar esta fase. Ela perguntava ?cadê o Zé Pequeno, Rafa, solta essa favela?. E deu certo, voltei a ter bons resultados. Só técnica não é suficiente para vencer um torneio ? conta Rafaela.

Dizem nos bastidores que, para vencer o torneio olímpico de judô, que é curto, é preciso ?entrar na porrada?, obviamente, respeitando as regras e a disciplina do esporte. Sem a infância na Cidade de Deus, Rafaela não teria conquistado a medalha de ouro. Sem a história de Rafaela, o judô seria um esporte sem cor, sem graça. Rafaela, entretanto, ganhou protagonismo com a medalha de ouro. Mas, na essência, ela é mais uma judoca que busca ser uma pessoa melhor através das lições do tatame.