Cotidiano

Em Itaguaí, servidores-fantasmas ?fiscalizavam? cachoeiras e ilhas

RIO – O Ministério Público estadual denunciou ontem e pediu a prisão de Luciano Mota, ex-prefeito de Itaguaí, suspeito de comandar um esquema ilícito para empregar 112 funcionários-fantasmas, que não foram nomeados por decretos e ocupavam funções consideradas “prosaicas” pelo MP, como caminhar pelas ruas para fiscalizar cachoeiras e o corte de árvores e mato. Somente de janeiro a março do ano passado, o valor desviado chegou a R$ 1,2 milhão, para pagamento de salários entre R$ 4 mil a R$15 mil. Mota é investigado pela Polícia Federal por desvio de recursos públicos e foi cassado pela Câmara Municipal em julho do ano passado.

Procurador responsável pelo caso, Alexandre Araripe também denunciou os funcionários-fantasmas por peculato. Mota, seis vereadores, o ex-diretor de Informática da prefeitura David Brites e o ex-secretário de Administração Fuad Sacramento Zamot tiveram a prisão preventiva pedida pelo MP.

R$ 5 MIL PARA ANDAR NAS RUAS

O GLOBO teve acesso aos depoimentos que os 112 funcionários deram ao MP. Eles demonstram não conhecer a função exercida, não sabem narrar detalhes da rotina de trabalho e admitem não ter, em muitos casos, o ensino médio completo (alguns não concluíram o ensino fundamental).

Uma servidora afirmou ao MP que recebia R$ 5 mil para trabalhar “andando pelas ruas”, já que “na região tem muita cachoeira e mato”. Contou que fiscalizava a necessidade de “cortar árvores” e disse que considerava a remuneração pequena, já que o bairro onde atuava “tem muita quantidade de gente e cachoeiras”. Ela não tem o ensino médio completo.

Uma colega dela, também denunciada pelo MP, contou que atuava como “fiscal escolar”. Uma de suas atribuições era verificar “se os alunos realmente usavam uniformes, se havia interrupção no fornecimento de água, bem como a temperatura da água nos bebedouros” das escolas. Pelo serviço, ganhava R$ 4.358,06 por mês.

Outro funcionário, que ganhava R$ 6,2 mil, disse que sua atribuição era a “limpeza de ilhas”. Mas, em depoimento, citou uma que não pertence a Itaguaí.

“Com efeito, quase todos os denunciados incluídos ilegalmente na folha de pagamento da prefeitura informaram em depoimentos(…) que não cumpriam horário fixo de expediente, não assinavam folhas de ponto e sequer se recordavam quem eram seus colegas de trabalho”, diz a denúncia da Subprocuradoria Geral de Justiça de Assuntos Institucionais e Judiciais. O MP abriu um segundo inquérito para apurar a existência de funcionários-fantasmas no período anterior a janeiro de 2015. Muitos deles trabalhavam no município antes de Mota assumir o cargo, em 2012.

AMEAÇA A TESTEMUNHAS

Alexandre Araripe disse que pediu as prisões de Mota, de dois subordinados do prefeito e dos vereadores porque houve “ameaças veladas” a testemunhas. Os nove devem responder por 112 crimes de peculato (um para cada servidor-fantasma). O MP pediu que as penas sejam somadas. Um crime de peculato equivale de 2 a 12 anos de prisão. Os três membros da administração foram denunciados ainda por inserção de dados falsos no sistema.

— O que mais impressiona é que sequer foram emitidos atos para nomear os funcionários. Foi como botar o cano do propinoduto direto no cofre do município — afirmou Araripe.