Cotidiano

Elefantes ganham santuário no Brasil, que já tem 203 espaços para várias espécies

IMG_1177.jpgSÃO PAULO- Exploradas em circos por cerca de 40 anos, as elefantas asiáticas Maia e Guida ganharam o papel principal no primeiro santuário criado para essa espécie na América Latina. Aberto recentemente, o espaço na Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso, está pronto para receber até 50 mamíferos vítimas de maus-tratos. animais

Com as más condições de zoológicos no Brasil e a proibição de animais em apresentações circenses, o país está vendo o surgimento de santuários para diferentes espécies. Já são 203 espaços, segundo dados oficiais, com o intuito de cuidar e tentar reintroduzir na natureza seres vivos que sofreram maus-tratos. Para fins de comparação, atualmente há 99 zoológicos e aquários no país, uma quantidade 21,4% menor do que havia em 2012, e a expectativa de ativistas é ver esse número zerar no futuro.

? Todo esse trabalho é para conscientizar as pessoas sobre como estamos tratando esses animais ? resume a publicitária Júnia Machado, idealizadora do santuário de elefantes.

Estima-se que, hoje, há cinco mil elefantes em situação de risco no mundo, 30 deles no Brasil. Maia e Guida pertenciam ao Circo Portugal e viviam na Bahia até 2010, quando houve uma denúncia dando conta de maus-tratos. A Justiça determinou, então, que o empreendimento não mais utilizasse animais em seus espetáculos, e eles foram, provisoriamente, enviados para o sítio do advogado do circo, Giuliano Vettori, em Paraguaçu, no sul de Minas Gerais.

201609280954564687.jpg Ao GLOBO, Vettori negou as acusações. Ele disse que o problema era o espaço inadequado em que as elefantas viviam. Para resolver esse impasse, a promotora Sophia Sousa de Mesquita David, que cuidou do caso, acionou o Grupo Especial de Proteção da Fauna (Gedef), do Ministério Público de Minas, para encaminhar Maia e Guida a um local satisfatório. Foi quando o santuário apareceu.

Não existe na norma federal brasileira a terminologia ?santuário?, comum em outros países. Aqui, os espaços são registrados no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) como mantenedores de fauna silvestre. Mas o princípio é o mesmo: resgatar, cuidar e, se possível, ajudar os bichos a voltar para a natureza. Mas é proibido a reprodução, exposição ou venda.

Araras e papagaios de volta à natureza

O casal Silvia e Marcos Pompeu, idealizador do Rancho dos Gnomos, em Cotia, São Paulo, recentemente soltou dezenas de araras e papagaios no Mato Grosso, após quatro anos cuidando das aves, vítimas de tráfico.

Quando não dá para liberar os animais, o jeito é dar o melhor tratamento possível. Caso do leão Darshan, de 23 anos, que passa a maior parte do tempo deitado. O dono de um circo em Cariacica, no Espírito Santo, o trocou por comida quando ele ainda era filhote, e o felino passou 13 anos dentro de um frigorífico desativado. Chegou ao Rancho dos Gnomos em 2006, com a visão comprometida e sérios problemas na coluna e nas patas.

201609280953384676.jpg A poucos metros de Darshan, a macaco-prego Rosinha parece mais animada. Quem se aproxima custa a acreditar que ela era constantemente abusada pelo antigo dono, até ser resgatada pelo casal, que cuida, ao todo, de 200 animais, entre eles 10 leões e sete onças. Para aumentar a capacidade do rancho, que já existe há 25 anos, a dupla está preparando um terreno em Minas Gerais.

Segundo a secretaria do Meio Ambiente de São Paulo, o Estado tem hoje 123 mantenedores em funcionamento, e o governo ainda analisa pedido de abertura de mais três.

No Projeto dos Grandes Primatas (Gap, na sigla em inglês) no Brasil, 90% desses animais, entre chimpanzés, gorilas, orangotangos e bonobos, estão aptos a retornar para a natureza, mas não é tão simples quanto parece. O microbiologista Pedro Ynterian, responsável pela unidade de Sorocaba, em São Paulo, explica que não se pode soltar um exemplar em qualquer mata ou entre espécies diferentes: ele pode ser facilmente caçado.

Além dos mais de 70 primatas que abriga nas quatro unidades ? três em São Paulo e uma no Paraná ?, a maioria recuperada de circos e zoológicos, o Gap também cuida de 250 outros animais, entre felinos, ursos, pequenos primatas e aves.

Personagem icônico do nordeste brasileiro e cantado por Luiz Gonzaga, o jumento também tem espaço em um santuário, no Ceará. Desde 2008, animais abandonados nas vias, como jumentos, cavalos e vacas, são levados pelo governo para uma fazenda do Detran no município de Santa Quitéria. Alguns meses fecham com a conta de 800 animais resgatados.

? Os donos de outros animais costumam pegá-los de volta, mas os jumentos ficam, porque ninguém quer ? explica o fotógrafo Eduardo Aparício, que trabalha como voluntário.

A fazenda, chamada de Parque Padre Antônio Vieira de Proteção aos Jumentos, abriga cerca de 5 mil animais. A ideia é que o local seja reconhecido como santuário, como o The Donkey Sanctuary (santuário dos jumentos), entidade sem fins lucrativos no Reino Unido.

No Santuário das Fadas, em Itaipava, distrito de Petrópolis, Região Serrana do Rio, os donos do pedaço são animais de fazenda. O espaço também trabalha com o conceito de resgate e soltura.

? Não usamos o termo abrigo, porque num abrigo, normalmente, os animais ficam confinados e em superpopulação ? explica a veterinária Patrícia Fittipaldi.

Segundo o Ibama, o Rio tem hoje dois mantenedores e três zoológicos. Recentemente, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) autorizou o funcionamento do Aquário Marinho do Rio de Janeiro (AquaRio). Dois zoológicos foram fechados após denúncia de maus-tratos nos anos 2000: o ZooNit, desativado no ano de 2011 em Niterói, região metropolitana, e o Bwana Park, fechado em 2001 e que ficava em Pedra de Guaratiba, na Zona Oeste.