RIO – Em um momento da novela ?Boa noite a todos?, a protagonista Maggie observa de uma janela de Copacabana o vai e vem de babás, idosos e prostitutas que se misturam nas ruas do bairro. Foi ao escrever essa cena, em 2014, que o escritor e jornalista Edney Silvestre decidiu que voltaria a situar histórias em Copacabana e a se inspirar na riqueza de seus moradores e frequentadores. A diversidade, característica do bairro, percorre as 352 páginas de ?Welcome to Copacabana e outras histórias? (Ed. Record), seu primeiro livro de contos, que será lançado hoje com leitura de trechos pela atriz Cássia Kis. Dividida em três partes, a obra parte do Rio, vai ao exterior e depois se encerra num reencontro do leitor com a protagonista do primeiro conto. O encantamento de Edney pelo bairro vem desde a sua infância em Valença, cidade do Sul Fluminense com pouco mais de 70 mil habitantes, de onde saiu com 16 anos.
? Sou de Valença, então Copacabana para mim era a imagem do Rio de Janeiro. Um lugar de céu tão lindo, de pessoas sorrindo, onde a vida era boa. Bem diferente da minha sombria Valença, uma cidade cinza, fria, de muita neblina. Para mim, Copacabana é alegria de viver. Conforme ia escrevendo, fui recordando. Copacabana também tem uma história muito rica ? conta ele, enquanto toma um café no Forte de Copacabana, tendo a orla como horizonte.
Edney fez um caminho inverso ao de muitos escritores: após três romances (?Se eu fechar os olhos agora?, ?A felicidade é fácil? e ?Vidas provisórias?) e uma combinação de novela e monólogo teatral (?Boa noite a todos?), enveredou pelo gênero do conto. Não que a narrativa curta lhe fosse estranha: em 2002 publicou o livro de crônicas ?Outros tempos?, sobre sua experiência de correspondente internacional. O escritor explica que todos os textos de ?Welcome to Copacabana? foram feitos especialmente para o livro, um projeto iniciado há quase quatro anos.
? As histórias têm o seu tempo e definem o que serão. Eu queria contar muitas histórias diferentes, queria escrever contos. Mas às vezes você acha que aquela trama acabou ali e depois ela volta. A história da Regina, por exemplo, achei que tinha se encerrado no conto que abre o livro, mas depois eu vi que não, e ela voltou no conto que encerra o livro ? diz.
VEIA DE JORNALISTA É LATENTE
Regina, protagonista do conto ?Welcome to Copacabana?, é uma mulher que, logo após ficar viúva, é obrigada pelos filhos a deixar o apartamento da família no Jardim Botânico e se mudar para um bem menor em Copacabana, entulhado com as lembranças de uma vida inteira. Nos seus dias de solidão e de adaptação ao novo bairro, ela conhece uma vizinha misteriosa que lhe fará uma proposta inesperada. Regina é um exemplo de um tipo comum na região, figura fácil em restaurantes a quilo na hora do almoço, aponta Edney:
O sufocamento de Regina é muito Copacabana. A vida inteira dela se acumula naquele apartamento. A única coisa que ela quis, uma cristaleira, os filhos venderam. Ela vai se rebelar em busca de uma felicidade possível, descobrir a beleza de Copacabana.? O sufocamento de Regina é muito Copacabana. A vida inteira dela se acumula naquele apartamento. A única coisa que ela quis, uma cristaleira, os filhos venderam. Ela vai se rebelar em busca de uma felicidade possível, descobrir a beleza de Copacabana. A primeira coisa que você vê no bairro não é isso. É a confusão, o barulho. Mas Copacabana é linda.
O conhecimento da rua adquirido nas décadas de jornalismo é latente no livro. Não só pela multiplicação de protagonistas marginalizados ? mendigos, garotas de programa, pivetes, cafetinas ?, mas, também, pela diversidade de paisagens da cidade. Copacabana é recorrente, mas também estão presentes o Centro da cidade, o entorno da Central do Brasil, o subúrbio. Muitas das cenas são fruto não da imaginação do escritor, mas de apurações jornalísticas sobre a vida real.
? As crianças na rua dormem amarradas umas às outras. Eu não sabia disso até começar a rodar pela cidade. Elas ficam amarradas porque se não um adulto pega, leva e abusa delas. Ao estarem presas juntas, as outras vão acordar ? conta o escritor. ? Uma vez eu andava pela Lapa de manhã cedo e vi três meninas franzinas dormindo sob o mesmo cobertor. Em que universo elas vivem? Quem são as mães delas? Eu misturo histórias reais nos contos por causa da minha profissão.
Os 20 contos do livro têm em comum viradas no final, com alguns casos de verdadeiros socos no leitor, e o confrontamento dos personagens com dilemas éticos e morais. Desde Regina, ao receber a proposta da vizinha, até Ben, o menino de rua que é capaz de curar os doentes mas prefere mesmo ver os trens em movimento na estação:
? A vida nos apresenta questões ético-morais o tempo todo. E não só aos jornalistas. Você escolhe atravessar a rua no sinal vermelho ou esperar o sinal abrir? São pequenas decisões pessoais.
?Welcome to Copacabana e outras histórias??
AUTOR: Edney Silvestre.
Editora: Record.
Páginas: 352.
Preço: R$ 39,90.
Lançamento: Hoje, terça-feira, às 19h, na Livraria da Travessa do Shopping Leblon (Av. Afrânio de Melo Franco 290. Tel: 3138-9600).
