Cotidiano

Diretor de filme sobre violência doméstica diz que leis não bastam

RIO ? Até onde pode ir um amor doentio? Foi partindo desta pergunta que o diretor Marcos Schechtman emprestou seu olhar para dirigir o filme “Vidas partidas”, exibido na noite desta quarta-feira na Casa do Saber como parte da série Encontros O Globo. Ao final, o diretor e a atriz Naura Schneider, protagonista e produtora do filme, participaram de um debate com o público mediado pelo repórter do Segundo Caderno Fabiano Ristow. Links Encontros O Globo

O longa, que tem estreia nacional em 4 de agosto, é inspirado na história de Maria da Penha Fernandes, a farmacêutica que emprestou seu nome à lei 11.340. O projeto nasceu quando Naura começou a pesquisar o universo da violência doméstica para o documentário “O silêncio das inocentes” (2010), dirigido por Ique Gazzola e idealizado por ela. Mas o extenso material obtido pelo contato com a realidade das delegacias da mulher não se esgotou no filme, e ela decidiu retomar o tema na forma de ficção.

? Depois da primeira exibição de “Vidas Partidas” no festival Cine PE, uma senhora me pegou nos braços e disse: “minha filha, você acabou de passar minha vida nas telas. Mas eu não sou forte como você e não tive coragem de denunciar”. Logo depois, ela foi embora ? contou a atriz.

? Independentemente de classe social, as mulheres que se envolvem em relações abusivas têm um ponto em comum: uma baixa autoestima. Em uma das entrevistas que fiz, uma mulher me disse “há sete anos que o meu marido me bate. Sempre achei que o fato de ele me bater significava que ele gostava de mim. Afinal, se ele me batia era porque se importava comigo”.

INTERDEPENDÊNCIA EM QUESTÃO

Marcos Schechtman ressaltou que o roteiro o encantou especialmente por não apresentar o marido agressor, vivido por Domingos Montaigner, de forma maniqueísta. Com o cuidado de retratar a interdependência do casal, em vez de mostrá-los nos papéis de vítima e algoz, ele contou que começou as filmagens por uma tórrida cena de sexo entre os protagonistas, ajudando os atores a estabelecerem uma relação de cumplicidade:

? Relacionamentos violentos sempre começam como uma relação amorosa. É o mecanismo do amor profundo que mantém a vítima de abuso presa ao seu marido, junto com a pressão da sociedade, de manter a família unida por causa dos filhos. A nossa protagonista não se comporta de maneira passsiva: ela vai à delegacia e denuncia o marido quando ele a agride. Ao mesmo tempo, quando o vê sendo carinhoso, dando banho nas crianças, ela pensa que a relação poderia ser outra coisa ? disse o diretor. ? A grande questão trabalhada pelo filme não é por que alguém entra em uma relação dessas, mas por que não consegue sair.

Durante o debate, a plateia quis saber se existem planos para exibir “Vidas partidas” não apenas no circuito comercial, mas também em escolas e universidades. Houve até mesmo uma sugestão de eventos em praças públicas, para fomentar o debate sobre violência doméstica. Segundo Naura, mesmo depois de leis como a Maria da Penha e a do Feminicídio, o Brasil ocupa o quinto lugar no ranking de violência contra a mulher. Já Schechtman comentou que, em sua opinião, instrumentos formais não são suficientes:

? Não bastam leis e regras para a gente mudar. É preciso transformar a cultura, e, para isso, as pessoas precisam olhar para dentro de si. Nós realmente queremos que as pessoas saiam do cinema pensando sobre o assunto ? disse ele.