Cotidiano

Crítica: "Acabou chorare, os Novos Baianos se encontram"

RIO ? Parece que a mobilidade no Rio pós-Olímpico está mesmo mudando. O Circo Voador, por exemplo, deu um pulo na Barra da Tijuca (Recreio? Vargem Grande?) e se instalou no Metropolitan na noite de sexta-feira, quando os Novos Baianos trouxeram à cidade onde, se não nasceram, criaram sua dinâmica e sua identidade, no sítio Cantinho do Vovô, “aqui perto, em Vargem Pequena”, como lembrou Moraes Moreira. A força da mistura de samba, rock, poesia – tudo com o volume nas alturas, de vozes e instrumentos – com um público em chamas, que gritava em coro “Fora, Temer” desde o começo deu um ar de Lapa, ou mesmo de Parque Lage, deu a magnitude precisa a um produto precioso da música brasileira. Links Novos Baianos

Marcado para as 22h30m, o show começou pontualmente meia hora depois, com Moraes, Baby do Brasil, Pepeu Gomes, Paulinho Boca de Cantor e Luiz Galvão sobre uma Caravan decorada com o nome do grupo, numa vibe meio Carvana Rolidei, para os aplausos já entusiasmados das mais de 3 mil pessoas de todas as faixas etárias que enchiam a casa. “Anos 70” abriu o show, e logo se estabeleceu a dinâmica típica dos Novos Baianos, que basicamente diz que tem pra todo mundo e tudo pode acontecer: Paulinho Boca, no canto, ombro a ombro com os monstros Moraes, Pepeu e Baby, teve a melhor performance vocal da noite, redondo, com perfeita comunicação com o mundo; Galvão, aos 78 anos, lá do outro lado, participa menos, com intervenções poéticas eventuais, não permanecendo o tempo todo no palco; os dois baianos e a niteroiense centrais travam uma saudável – e, provavelmente, involuntária – disputa pelo spotlight, em que cada um tem seus momentos (às vezes, concomitantes, claro, senão não teria graça) e participa, feliz, do brilho do colega (ou ex-cônjuge).

Depois de “Anos 70” e “Infinito circular”, a pesadona “Dê um rolê” ? recentemente regravada por Pitty ? terminou de captar a atenção integral do público, que já cantava aos urros, deixava as mesas (mesas? mas e o Circo Voador?), dançava e emitia sinais de fumaça. NovosBaianos_20160902-009.jpg

O cenário, assinado por Gringo Cardia e Césio Lima, trazia baldes iluminados que pendiam do teto, eventualmente mudando para painéis geométricos, com a saída da Caravan Rolidei. Baby, que até então se mantinha discreta – até onde é possível com todo aquele colorido ?, assumiu o protagonismo em “A menina dança”, umas das favoritas do público ? restabelecendo o power-dueto com Pepeu e sua guitarra, em uma lenta reconciliação musical que começou há um ano, no Rock in Rio, e agora desemboca na gloriosa volta dos Novos Baianos depois de quase 20 anos.

Com os irmãos Jorginho Gomes (bateria) e Didi Gomes (baixo) na retaguarda ? um DNA musical de tanta qualidade que deveria ser estudado ?, Pedro Aníbal, aos 64 anos, é um guitarrista completo, técnico, musical, valorizando as canções e provocando abalos sísmicos (pelo volume ensurdecedor, também) junto à plateia. Moraes não fica atrás: embora sua voz ficasse algo rascante em músicas mais agressivas? talvez no embalo da eletricidade da noite ?, o violão é o alicerce musical do espetáculo, que, além dos irmãos Gomes, tem apenas mais um músico de apoio, o percussionista Gil Oliveira, filho de Paulinho Boca. O autor de “Preta, pretinha” (com Galvão) canta e toca de forma suave quando precisa (“Chega de saudade”, “Acabou chorare”) e desce a mão direita nas cordas nos momentos hardcore protagonizados por Pepeu. Um broto aos 69 anos.

Difícil imaginar uma noite mais completa de música brasileira. Que a “ameaça” de Baby se cumpra, e os Novos Baianos não se percam mais por aí.

Cotação: Ótimo