Cotidiano

Contratos de gaveta oferecem risco em transações imobiliárias

40576122_1509.1998 - FERNANDO MAIA - MB - CONTRATO DE ALUGUEL.jpg Mais RIO – Numa negociação com tanto dinheiro, como a compra a de um imóvel, fugir da burocracia e das taxas usando um contrato de gaveta pode parecer tentador. Mas é justamente pelos altos valores envolvidos que a máxima de que ?o barato sai caro? merece mais atenção do que nunca. Quando mal sucedidas, essas transações podem levar pelo ralo o dinheiro poupado ao longo de anos, sem que a parte lesada tenha recursos legais consistentes para recuperar o prejuízo.

Foi o que aconteceu com um administrador de empresas, de 37 anos, que prefere não se identificar nesta reportagem. Por meio de um contrato particular simples (recurso conhecido como ?contrato de gaveta?), ele fez uma negociação em que pagou R$ 120 mil por um imóvel que ainda estava sendo quitado. Sua responsabilidade seria pagar o restante das prestações, que somavam cerca de R$ 200 mil.

? Quando procurei a construtora para dar continuidade à transação, tive uma surpresa: o antigo proprietário havia morrido e deixado uma dívida de mais de R$ 80 mil ? relata.

O administrador iniciou aí uma odisseia que incluiu visitas a advogados, contatos com a família do falecido e negociações com a construtora. Por fim, conseguiu um distrato que o permitiu recuperar apenas R$ 70 mil do investimento inicial.

? Tinha feito de tudo para conseguir juntar aquele dinheiro. Mudei-me para uma quitinete, vendi o carro e reduzi custos. Mas não conseguiria recuperar os R$ 50 mil que perdi para dar continuidade à compra do imóvel? conta ele. ? Hoje, minha recomendação é fazer tudo da maneira mais segura possível, com certidões e conhecendo bem o histórico do vendedor. Não dá para fazer contrato em papel de pão.

Uma empresária de 49 anos, que também optou por manter a identidade em sigilo, experimentou o gosto amargo de uma negociação desse tipo e ainda espera uma solução.

? Comprei um terreno há 25 anos por meio de um contrato de gaveta, mas o condomínio de lotes ainda não era regularizado. A legalização só aconteceu há cinco anos. Não a fiz na época e acabei tendo problemas, pois o vendedor morreu e um dos herdeiros não queria assinar o documento para, efetivamente, passar o terreno para o meu nome. Entrei como uma ação de usucapião, pois estou lá há mais de 20 anos e agora aguardo a decisão do juiz. Não quero deixar esse problema para os meus herdeiros ? lamenta.

PRÁTICA FREQUENTE

Sonia Chalfin, diretora da Precisão Administradora, observa que os contratos de gaveta ainda são comuns por diversos motivos. O principal deles é o alto custo para a realização de um contrato formal.

? Contratação de advogados, gastos com autenticações, reconhecimentos de firma e recolhimento de impostos incidentes, muitas vezes, oneram demasiadamente a celebração de um contrato ? menciona ela.

A profissional é categórica sobre os riscos que jamais devem ser ignorados:

? Não há como garantir a segurança em contratos de gaveta. Em razão de sua informalidade, as partes ficam à mercê da boa-fé recíproca. Conflitos originários de contratos dessa natureza deverão ser solucionados pelo judiciário, que poderá, ou não, conferir validade ao pactuado, passando pela produção de provas e, inevitavelmente, por toda a morosidade da Justiça.

A advogada Joyce Bahiense, da MR Consultoria, especializada em regularização de imóveis, lembra que, de acordo com o artigo 1245 do Código Civil Brasileiro, a propriedade só se transfere com o registro no cartório de imóveis, o que não cabe aos contratos de gaveta. Além disso, ela alerta sobre os riscos de venda dupla.

? Caso haja um vendedor de má-fé, o mesmo imóvel poderá ser vendido duas vezes para pessoas distintas. É o caso de um comprador que quita à vista um imóvel apenas com um contrato de gaveta e, ao proceder para o recebimento das chaves, depara com outro ?proprietário?, com uma certidão que assegure sua propriedade. Numa situação como esta, o contrato de gaveta perde a força e tira totalmente a garantia do comprador ? alerta.