RIO Quando Guilherme Braga Alves, de 22 anos, viu o nome “Campo Grande” na programação do Festival do Rio no ano passado, não imaginou que houvesse relação entre o filme e o bairro onde mora, na Zona Oeste do Rio. Mas se quisesse conferir, não seria fácil, pois não havia sessões do longa-metragem na sua vizinhança. Quase um ano depois, hoje ele sabe que a relação existe sim, mas mesmo com a entrada do filme de Sandra Kogut em circuito comercial, o acesso não ficou mais fácil.
Isso causou uma angústia em mim, e eu vi que outras pessoas também estavam reclamando. Improvisei uma 'arte' e joguei na página conta o estudante de Relações Internacionais se referindo a um grupo de Facebook Aquilo foi se espalhando pelo bairro e eu percebi que as pessoas foram se aproximando daquela demanda.
A campanha “Campo Grande quer se ver no cinema” foi divulgada pela coluna Gente Boa, do GLOBO, e as redes de cinema Kinoplex e UCI, as únicas com presença no bairro, foram cobradas por meio de mensagens online. No dia 7 de junho, a página oficial do longa divulgou que ele seria exibido no cinema UCI do ParkShoppingCampoGrande de 9 a 15 de junho, em duas sessões diárias.
Quando o filme entrou em cartaz lá, comecei a receber um monte de mensagens muito positivas, de gente que foi assistir e se emocionou diz a cineasta Sandra Kogut, que queria que “Campo Grande” fosse exibido no bairro desde o início O distribuidor tentou, mas não conseguiu, porque os cinemas são de shopping.
Mônica Portella, diretora de marketing da UCI Cinemas, afirma que houve um atraso na negociação do filme, mas que a história de Ygor e Rayane, duas crianças deixadas pela mãe na porta de Regina (Carla Ribas), em Ipanema, foi escolhido para ser exibido na rede.
Selecionamos todos os filmes nacionais que são oferecidos para nós. Assim que conseguimos finalizar a negociação, colocamos em cartaz, o que foi uma semana depois do filme estrear.
PEDIDO AGORA É NA BAIXADA
Depois da conquista, a página do Facebook “Arte & Cultura Nós da Baixada” também se mobilizou para trazer o filme para a Baixada Fluminense. Ygor Manoel, o ator mirim que é um dos protagonistas de “Campo Grande”, é morador de Belford Roxo. Para Guilherme, a conquista foi simbólica pelo longa-metragem ter sido parcialmente filmado em Campo Grande, e ter esse nome, mas é só um exemplo do parco acesso a produtos da indústria cultural em bairros do subúrbio.
É a ponta do iceberg. Certos filmes não passam em determinadas regiões da cidade, onde são mais comuns filmes comerciais, norte-americanos, alguns nacionais. São questões de política comercial, é um debate muito mais amplo acredita.
Para Mônica Portella, que está esperando a avaliação do setor de programação da rede para saber se o filme continua em cartaz ou não, é uma questão de perfil do cinema.
A gente costuma dizer que quem faz a programação é o cliente. A gente coloca o filme de acordo com a procura: se tem bastante público, ele continua, e se a gente vê que não tem demanda, ele sai de cartaz para dar lugar para outro explica. Nosso cinema é mais popular, passa blockbuster. Se a gente coloca uma coisa mais de arte, as pessoas podem até fazer bastante barulho, mas não enchem a sala.
É uma questão de acesso, tudo é, e agora há uma ferramenta para isso. A gente tem que repensar um pouco o que é popular. Por que não seria popular? questiona Sandra Kogut.
* Estagiária, sob a supervisão de Liv Brandão