Cotidiano

Artigo: Prisões de Garotinho e Cabral são parte de uma nova tendência, por Ivar Hartmann

RIO – Há mais por trás da prisão dos ex-governadores Garotinho e Cabral do que aparenta à primeira vista. Há 3 anos esse tipo de prisão era impensável, mesmo quando pesavam sobre um político influente a lei e as provas do crime. O impensável transformou-se em viável graças a uma nova tendência.

Ela foi inaugurada pelo enfrentamento de dois escândalos de corrupção em instâncias diferentes. O julgamento do mensalão foi decisivo porque mostrou que não é imoral o Supremo prender políticos importantes por corrupção. Mudou a prática do foro privilegiado. Prender preventivamente um Senador em atividade ou afastar o Presidente da Câmara dos Deputados agora fazem parte da realidade do trabalho dos ministros. Ficou claro que não gera instabilidade institucional.

O mensalão ditou essa tendência no Supremo e a Lava-Jato fez o mesmo para a primeira instância em todo o país. O juiz Sergio Moro não pode nem deve punir sozinho a corrupção brasileira. Mas não precisa. Bastou mostrar que o mundo não vem abaixo se um juiz de primeira instância pune um político poderoso. E as tentativas políticas de retaliação não funcionam porque os juízes têm blindagem constitucional efetiva.

Os juízes brasileiros começam a mudar de atitude. A prisão de Cabral foi decretada por um juiz federal do Rio de Janeiro e não apenas por Moro. A prisão de Garotinho, pela Justiça Eleitoral. Lula é réu em Curitiba, mas também na primeira instância em Brasília.

Tanto o mensalão quanto a Lava-Jato têm peculiaridades que os tornam únicos. O número de envolvidos, a sofisticação das lavagens de dinheiro. A dedicação exclusiva, quase especializada do ex-ministro Joaquim Barbosa ao caso durante anos antes da decisão final em 2013 também é similar à organização e cooperação extremamente eficientes da força tarefa do Ministério Público Federal e da Polícia Federal na Lava-Jato. Mas o fato de serem únicos apenas aumenta sua influência, como casos pioneiros que ditam a tendência.

Esse fenômeno assusta os todos os políticos – inocentes e corruptos – porque percebem que não são mais intocáveis. A reação está em curso no Congresso: anistia do caixa dois e mudança da lei para enquadrar como ?abuso de autoridade? as medidas enérgicas de promotores de justiça e juízes rigorosos com a corrupção.

Até iniciativas necessárias e que seriam bem vindas em outras épocas são usadas agora como retaliação, em um golpe baixo fantasiado de interesse público. O Senado instaurou comissão para avaliar os salários do Judiciário e MP que ficam acima do permitido pela Constituição. O final do foro privilegiado é outra mudança que alguns políticos começam a considerar satisfatória. O foro já não é mais garantia de impunidade.

O Congresso deve escolher entre preservar essa nova tendência inaugurada pelo mensalão e a Lava-Jato ou brecá-la com o pacote de impunidade atualmente em tramitação. A escolha de nossos senadores e deputados mostrará se desejam representar os interesses dos brasileiros ou apenas os seus próprios.

* Ivar A. M. Hartmann é professor da FGV-Direito Rio