Cotidiano

?A Dama do Brexit?: Theresa May promete seguir à risca saída da UE

LONDRES — Foi bem mais rápido do que se pensava. A confirmação da conservadora Theresa May como a nova primeira-ministra do Reino Unido ocorreu na manhã de ontem, de forma inesperada, após a abrupta desistência da concorrente de partido, Andrea Leadsom. Segunda mulher a ocupar o cargo na História — a anterior foi Margaret Thatcher (1979-90) — May vai escrever seu nome como a governante que conduzirá o país para fora da União Europeia (UE), aquela que seguirá à risca a decisão dos britânicos em referendo mês passado com a retumbante e inconteste frase: “Brexit significa Brexit.”

May chega com força ao cargo por ter logo de saída já largado bem na frente — com mais de 50% do total de votos — dos outros quatro concorrentes, levando dois a desistirem após a primeira votação. Com os 165 conseguidos na segunda rodada, contra os 66 de Leadsom, quinta-feira passada, mostrou ter a preferência inegável do partido. Segundo anunciou David Cameron, chefe de governo de saída, que renunciou após o referendo, a posse dela se dará amanhã. O premier, que só deixaria o cargo em setembro, antecipou a saída alegando não fazer sentido estender a transição.

Se para os britânicos, é praticamente a confirmação do Brexit, para os brasileiros poderá significar um entrave para visitar as ilhas se ela ressuscitar uma proposta de 2013, quando defendeu que se passasse a exigir visto dos brasileiros para entrar em solo britânico. Como ministra do Interior, a questão da migração — alvo de severos debates dentro da UE — sempre foi um tema caro a ela. Na época, em entrevista ao “Financial Times”, May disse que o Brasil era o único da lista dos dez países com mais imigrantes ilegais no Reino Unido que não tinha exigência de visto. Mas, após protestos sobre o impacto que restrições poderiam ter sobre a economia britânica, May voltou atrás e o governo anunciou que não havia planos para impor um regime de vistos ao Brasil.

‘MINHA FILOSOFIA É FAZER, NÃO FALAR’

Titular do Interior desde 2010, May, de 59 anos, é a mais longeva no cargo no país em meio século, com reputação de seriedade, trabalho duro e evitando as intrigas e traições que assolam seu partido. Ela faz parte de um número crescente de mulheres na política britânica a subirem ao escalão da liderança, tradicionalmente dominado pelos homens. Conhecida pela conduta férrea, pragmática e inflexível, May é conhecida dentro do Partido Conservador pelo meticuloso processo nas tomadas de decisão.

— Minha filosofia é fazer, e não falar — afirmou ela ao jornal britânico “The Telegraph”. — Sempre defendi mulheres na política. A política não é um jogo: as decisões que tomamos afetam as pessoas.

Ao contrário de Cameron e do ministro da Fazenda, George Osborne, May vê o Twitter como uma perda de tempo. Estas características levaram um colega de partido, Ken Clarke, a dizer que “Theresa é uma mulher terrivelmente difícil”, ressaltando que já tinha trabalhado com outra mulher, “com reputação de aço”, que também enfrentou uma política dominada pelos homens: Margaret Thatcher.

— Sei que não sou uma política que chama atenção. Não vou a estúdios de televisão. Eu não fofoco sobre as pessoas durante o almoço. Eu não vou beber nos bares do Parlamento — assume-se May, segundo o “New York Times”.

Por outro lado, a comparação política mais intrigante não é exatamente com a Dama de Ferro, mas com Gordon Brown, o premier que sucedeu a Tony Blair em 2007, também em votação interna do partido após a renúncia do trabalhista. Filhos de pais religiosos, criados com postura séria e moral rígida, tanto uma como o outro têm a necessidade do controle total. May é conhecida pela dificuldade em delegar, necessitando passar em revista tudo o que está sendo feito, checando todos os detalhes de decisões alheias a ela. E, como Brown, exige uma lealdade inabalável.

A política metódica de May — e sua história de vida — também permite traçar um paralelo com outra sistemática chefe de governo, a chanceler federal da Alemanha, Angela Merkel. As diligentes mulheres no comando das duas maiores economias europeias são filhas de clérigos: o pai da alemã, teólogo e pastor luterano; e o inglês, sacerdote da Igreja Católica.

Nascida em 1956, na cidade litorânea de Eastbourne, no condado de Sussex, May cresceu em Oxfordshire, condado industrial que abriga a cidade universitária de Oxford. Um “estudante boazinha”, como ela contou em entrevista ao “The Daily Telegraph”, nunca se rebelou contra a educação religiosa e continua a frequentar a igreja. Como Cameron e Boris Johnson, ex-prefeito de Londres que recentemente abandonou a corrida pela liderança conservadora, May estudou na Universidade de Oxford.

PROVÁVEL ROTA DE COLISÃO COM MERKEL

Política sempre foi um dos seus interesses, e May participou do famoso diretório estudantil Oxford Union, passando a integrar também a Associação Conservadora universitária. Numa das reuniões do grupo, uma colega — Benazir Bhutto, futura primeira-ministra do Paquistão — apresentou-a ao homem com quem ela iria se casar, Philip May, que viria a se tornar um banqueiro de investimentos. Theresa May trabalhou em serviços financeiros, inclusive no Banco da Inglaterra, sem deixar de lado suas ambições políticas. Conquistou um assento no Parlamento britânico em 1997, por Maidenhead, próspera cidade a oeste de Londres — e teve rápida ascensão no Partido Conservador. Ontem, chegou ao posto mais alto.

— Teremos uma nova primeira-ministra neste prédio atrás de mim na noite de quarta-feira — afirmou ele em entrevista coletiva diante da residência oficial em Downing Street, acrescentando que manterá a última sessão de perguntas como primeiro-ministro no Parlamento amanhã, antes de se reunir com a rainha Elizabeth II para apresentar a renúncia.

Mas será com Merkel que May terá um provável primeiro embate. No domingo, a chanceler federal alemã reafirmou que, com a decisão do referendo, o Reino Unido deve deixar em breve a UE. Entretanto, a nova premier reiterou a “necessidade de negociar o melhor acordo para que o Reino Unido deixa a UE”, o que pode adiar o início do processo para 2017.

May, uma eurocética que passou para o campo dos partidários à permanência na UE por fidelidade a Cameron, declarou que “não pode haver um segundo referendo” e “nenhuma tentativa de voltar à UE pela porta dos fundos”:

— Não poderia ser mais clara: não haverá uma tentativa para permanecer na UE. Brexit significa Brexit, e nós faremos isso com êxito.