SÃO PAULO. Algumas coincidências ligam o acidente com a delegação da Chapecoense na Colômbia, segunda-feira, à queda do avião que transportava a equipe uruguaia de rugby Old Christians, em 1972, na Cordilheira dos Andes, na Argentina. O GLOBO conversou com dois sobreviventes da tragédia que aconteceu há mais de 40 anos.
Os uruguaios José Luis Inciarte e Antonio Vizintin lembram de uma comoção semelhante que tomou conta do mundo em razão do acidente que matou 29 pessoas ? eles estavam entre os 16 sobreviventes. Inciarte não esconde a emoção ao falar que tinha 24 anos, mesma idade do goleiro Jackson Follmann, o primeiro a ser resgatado com vida dos destroços da tragédia em Medellín.
Comovido, Inciarte, hoje engenheiro agrônomo, contou, por e-mail, que recebeu a notícia com muita tristeza
? Tudo o que posso dizer é que, no meu caso, a dor de ter perdido (meus companheiros) nunca se sobrepôs à alegria de tê-los conhecido. Por mais curta que tenha sido a vida deles, valeu mais a pena tê-la vivido que não ter existido nunca ? afirmou Coche, como Inciarte é carinhosamente chamado pelos amigos. Hoje ele tem 68 anos e se dedica também a palestras motivacionais.
Em outubro de 1972, uma falha no motor provocou a queda do avião Fairchild da Força Aérea do Uruguai, onde estava a equipe e familiares. O grupo seguia para Santiago do Chile, onde disputaria uma partida. As pessoas que sobreviveram passaram mais de 70 dias perdidas nas montanhas gélidas. A história foi marcada também pela maneira como elas conseguiram vencer o frio e a fome: se alimentando dos mortos.
Depois de quase dois meses na região do acidente, dois outros sobreviventes, Fernando Parrado e Roberto Canessa, decidiram andar pelas montanhas para procurar ajuda. Voltaram com uma equipe de resgate dez dias depois.
A história do grupo serviu de tema para um filme, ?Vivos?, de Frank Marshall, e pelo menos dois livros: ?Os Sobreviventes ? A Tragédia dos Andes?, do inglês Piers Paul Reed, e ?A Sociedade da Neve?, do uruguaio Pablo Vierci, que conseguiu relatos inéditos e pessoais dos 16. Esta obra inspirou ainda um documentário, de mesmo nome.
?Cicatriz que não se apaga mais?
Antonio Vizintin, o Tintín, de 63 anos, disse ao GLOBO o quanto ficou impactado com a notícia sobre o acidente com a Chapecoense ?por ser uma equipe jovem?, e o fez lembrar de tudo o que sentiu quando o avião em que estava caiu.
? O único consolo vem com o tempo. É esperar que essa dor tremenda vá aliviando, mas é uma cicatriz que não se apaga mais ? afirma Tintín, para continuar:
? Os que ficaram carregarão essa marca de ter sobrevivido, além da recordação de quem morreu, dos queridos amigos. Esses não serão esquecidos. Com o tempo, serão uma lembrança dos bons momentos, das alegrias. A dor, de vez em quando, reaparece, e apenas a carregamos conosco. Sofremos e caminhamos juntos com ela.
Mensagem para Follman
Os seis sobreviventes à tragédia na Colômbia, aos poucos, vão apresentando melhoras no quadro de saúde. Entre as sequelas, o goleiro Follman teve uma das pernas amputadas e pode ter o mesmo destino com a outra. Tintín mandou um recado para o goleiro:
? Você vai precisar de muita força interior para superar e encontrar uma atividade para mantê-lo ocupado, dentro de suas possibilidades. Sua juventude será de grande ajuda, porque você tem uma vida inteira pela frente e tem que vivê-la da melhor maneira possível. Força!
O ex-jogador se recordou ainda da solidariedade que toda a equipe recebeu no momento em que o grupo foi resgatado dos Andes.
? São tragédias de jovens que veem a vida ser interrompida quando eles ainda tinham muito para viver. Por isso nos atinge e dói a todos nós. Não esperamos que pessoas tão jovens morram.