BRASÍLIA ? Dois peões montados a cavalo tentam derrubar um boi pelo rabo. A cena é comum, principalmente em festas tradicionais de estados nordestinos. Para uns, trata-se de prática esportiva e cultural. Para outros, uma forma de tratamento cruel ao animal. A polêmica em torno da vaquejada ganhou força suficiente para ser julgada em uma ação pelo Supremo Tribunal Federal (STF), onde os ministros estão divididos. Quatro deles querem banir a prática, pelo sofrimento desnecessário causado aos bois. Outros quatro consideram que proibir as vaquejadas não resolveria o problema, porque a atividade continuaria existindo na clandestinidade, tamanho o apelo popular.
O assunto começou a ser julgado na mais alta corte do país em agosto do ano passado, em uma ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Procuradoria Geral da República contra uma lei do Ceará que regulamentou a vaquejada. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, lembra que a Constituição Federal veda o tratamento cruel aos animais. No ano passado, o julgamento foi interrompido por um pedido de vista. Nesta quinta-feira, a discussão foi retomada, mas outro pedido de vista adiou novamente a decisão. Não há previsão de quando o assunto voltará à pauta.
A discussão que tomou conta do plenário do STF nesta tarde comprova que a vaquejada está longe de ser tema unânime. O primeiro a votar na sessão foi Luís Roberto Barroso, que ressaltou as práticas cruéis realizadas durante as competições. Ele contou que assistiu a vários vídeos de vaquejada e que, em todos eles, havia intenso sofrimento provocado aos bois.
? Ainda que não esteja comprovado que todos sofram maus-tratos, é de se estranhar que animais pacatos, como são os bois, saiam sempre em disparada ao serem soltos. Não tenho nenhuma dúvida de que há imensa dor, imenso sofrimento e grande crueldade contra o animal por simples desfastio e entretenimento das pessoas ? afirmou Barroso.
O ministro Gilmar Mendes, que já tinha votado no ano passado pela legalidade das vaquejadas, voltou a ressaltar o aspecto cultural e econômico da atividade. Ele acredita que, mesmo proibidos, os torneios seriam realizados na clandestinidade, porque fazem parte da tradição nordestina.
? Vamos lançar um grupo de pessoas enorme, não só os praticantes, mas o público, na clandestinidade ? disse Gilmar.
Barroso refutou o argumento. Lembrou que outras tradições culturais brasileiras que representavam violação de direitos também foram superadas com o tempo. Ele citou a escravidão como exemplo.
? Já houve tradições culturais de todo tipo. Estamos diante de uma mutação ética. É uma questão de tempo não se tolerar mais no mundo civilizado a crueldade com animais para entretenimento. Logo, vai entrar na agenda da humanidade a eliminação de animais para fins de alimentação ? preconizou Barroso.
Além de Gilmar, já tinham votaram pela legalidade das vaquejadas os ministros Edson Fachin, Teori Zavascki e Luiz Fux. Todos ponderaram que a lei cearense, apesar de garantir a continuidade da prática, regulamenta a atividade de modo a proteger o bem-estar dos animais. Para Teori, melhor com a lei do que sem ela.
? É uma lei do ventre livre em relação a essa vaquejada cruel ? declarou Teori.
Todos ponderaram que as vaquejadas deveriam continuar existindo, mas sem práticas cruéis contra os bois. Ao defender a legalidade da lei do Ceará, Fux citou como exemplo os abatedouros brasileiros, que infringem sofrimento aos animais e, ainda assim, não são proibidos:
? Existe meio mais cruel de tratamento aos animais do que o abate tradicional praticado no Brasil? Aqui a vaca sofre abate. Na Índia a vaca é sagrada.
Do outro lado da discussão, junto com Barroso, estavam Marco Aurélio Mello, Rosa Weber e Celso de Mello. O grupo se mostrou indignado com o tratamento dispensado aos bois nas vaquejadas.
? A violência e a crueldade ao animal é ínsita à vaquejada. É uma manifestação cultural que não encontra agasalho na nossa Constituição ? alegou Rosa.
O ministro Dias Toffoli pediu vista do processo para pensar melhor no assunto antes de votar. Não há previsão de quando o caso retornará ao plenário do STF. Enquanto isso, as vaquejadas poderão continuar sendo realizadas no Ceará ? e em todo o país.