Cotidiano

O lado prazeroso de envelhecer

Aliás, cabe lembrar que ainda não inventaram uma técnica satisfatória que justifique bisturi nas coxas

Se um belo dia, ao caminhar, você sentir a coxa direita bater na esquerda, das duas opções uma: ou você engordou ou esta ficando velha, se não é uma mistura das duas coisas. Pânico? Não necessariamente. Os tecidos que compõem a parte interna das coxas, o que inclui pele e músculo, já não são mais os mesmos de nossos 20 anos, e a conhecida teoria da gravidade, mesmo retardada, sempre se mostra eficiente e imbatível, ainda mais quando nossa idade começa a avançar. 

Uma perna batendo na outra, era só o que me faltava. Não bastasse o rosto de cansada, as covas embaixo dos olhos que insistem em aparecer já às cinco da tarde, os fios de cabelos brancos e os sulcos do lado da boca, agora tenho de aprender a caminhar com as pernas mais abertas ou sempre me lembrar de passar pó antisséptico para conter assaduras. 

Quer saber? Essa descoberta até que teve um lado divertido. Talvez por ter tido uma vida muito apegada a minha avó em um tempo em que não tinha essa de cirurgia plástica, o rosto sulcado e a pele flácida nunca abalaram a mulher mais valente e despachada que conheci. O cérebro puxa do corpo, dizia ela, a gente aprende tanta coisa com o passar dos anos, a valorizar mais os sentimentos, por exemplo, que o corpo vai sendo deixando de lado, a gente se desapega dele. E, agora, trinta anos depois, começo a entender o que ela tentou transmitir aos netos no auge de suas juventudes, a tal da sabedoria dos mais velhos que a gente só descobre muito tempo depois de eles deixarem de existir.   Sentir a pernas batendo uma na outra é um dosômetro da maturidade, é quando você vê por onde andam seus valores e até onde foram construídos os alicerces que mantém seu lado emocional. Envelhecer pode ser complicado, pode causar pânico, ainda mais em quem tenta se agarrar à juventude com unhas, dentes e cirurgias, o que não era o caso de minha avó e pelo jeito não vai ser o meu. De fato, já venho acumulando outros valores e poder colocar um biquíni e não estar nem aí pra essa coisa de corpinho perfeito é uma liberdade suprema. “Olha aqui, querido, tô com 50 anos, você queria o quê, barriga tanquinho? 

Aliás, cabe lembrar que ainda não inventaram uma técnica satisfatória que justifique bisturi nas coxas. O jeito, então, é se olhar no espelho e começar a achar simpática a ideia de suas pernas não serem mais aquelas duras e redondas de tempos atrás, o que, diga-se, dava um trabalho danado para manter. Porém, mesmo para quem vê os anos passando numa boa, é necessário, ainda mais nessas questões de estética e beleza, um ritual de passagem. Envelhecer da noite para o dia, como acontece com as flores e insetos, poderia ser algo complicado para o ser humano absorver, o que não se verifica se o processo é diluído em 20, 30, 40 anos, aliás, idade que completei me sentindo uma garota de 27. Meus ovários, contudo, tinham 40 anos, disse com êxito meu ginecologista para me convencer a não retardar mais ainda a maternidade. 

Então ele veio, meu primeiro filho, garoto que vejo crescer e ganhar o mundo enquanto sua mãe, é claro, entra na fase em que uma perna bate na outra, mas que veio acompanhada daquela profunda sensação de tarefa concluída, cansada, com  dor nas costas e a língua lá embaixo de tanto correr atrás de filho, mas concluída.

Se meus filhos tiverem por mim o amor que tive pela minha avó, em cujo rosto eu podia jogar o jogo da velha, tantas rugas e caminhos que meus dedos percorriam em suas bochechas, posso dizer que terei uma velhice de paz comigo mesma. O desprendimento é uma virtude e não tem dinheiro que consiga comprá-lo. Permitir que a juventude e a beleza desçam os degraus da prioridade só se consegue com um cérebro conformado e de bem com a vida. Deixar de lado assuntos que outrora ocupavam minha mente – malditas celulites! –  não deixa de ser uma forma de liberdade. Adeus às regatas, shortinhos e decotes. O ar circulou melhor em um roupeiro onde não há mais traças enquanto o banheiro ganhou um frasco de pós-antisséptico. É, essa parte não é das melhores: os remédios já estão se acumulando. Ao lado do que controla a pressão e do outro para conter a alergia se soma  agora o pó antisséptico. Daqui a pouco chegam outros, motivo para  eu dar risada e sentir até mesmo uma ponta de orgulho de estar me aproximando do jeito, simplicidade e sabedoria daquela velha – a palavra idosa não existia e o termo terceira idade era coisa muito fina  – que enterrei há vinte anos, mulher que, mesmo distante, deixou um legado que cada dia se revela mais presente, verdadeiro e útil em todas as facetas de minha vida.

 

A autora é jornalista