RIO – Dez dias após a inauguração do novo Elevado do Joá, motoristas já precisavam
desviar na terça-feira de pelo menos cinco buracos num trecho de apenas 1,1 quilômetro de
pistas entre os túneis que ligam a Zona Sul e a Barra da Tijuca. O maior deles,
que media quase 1 metro quadrado, segundo estimativas da própria prefeitura,
formou-se na faixa da esquerda, logo após a saída do Túnel de São Conrado. No
local, parte da superfície estava tão danificada que, à medida que os veículos
passavam, a pista ia se esfarelando. No início da tarde, a prefeitura enviou uma
equipe para remendar as fissuras no asfalto. A execução das obras do novo Joá
foi fiscalizada pela Fundação Geo-Rio, do município, mesmo órgão que era
responsável por acompanhar a construção da Ciclovia Tim Maia, na Avenida
Niemeyer, cujo trecho desabou no dia 21 de abril, provocando a morte de duas
pessoas.
Pela manhã, muitos motoristas acabaram passando sobre os buracos. Assim que
as equipes de reparo chegaram ao local, uma fila de carros se formou ao lado dos
operários. ?Que vergonha esse asfalto!? gritou um deles que abaixou o vidro do
carro ao passar. Pelo menos quinze motoristas fizeram questão de parar e
reclamar da obra. Os operários usavam uniformes com a identificação da Geo-Rio,
já que ela é responsável pela fiscalização.
ESPECIALISTAS VEEM FALHAS
Para especialistas ouvidos pelo GLOBO, o mais provável é
que tenha havido falha no planejamento ou na execução da obra. A questão agora é
a extensão do problema. Nos últimos dias que antecederam a inauguração, ocorrida
num sábado, o ritmo no canteiro de obras era frenético. Na sexta-feira, véspera
da abertura ao tráfego, dezenas de operários ainda trabalhavam nas novas pistas.
O engenheiro civil Ricardo Lozinsky não descarta que as falhas tenham sido
provocadas pela pressa de entregar a obra, tanto para atender a prazos da agenda
política como a necessidade de concluí-la antes das Olimpíadas: links joá
? É uma vergonha isso, o que causa inclusive revolta da população.
Geralmente, os buracos aparecem quando a água se infiltra no solo, porque não
houve a compactação adequada. Ou seja, houve erro de execução na obra.
Para o professor Gilberto Fernandes, do Laboratório de Ferrovias e Asfalto da
Universidade Federal de Ouro Preto, o recapeamento pode não ser suficiente para
resolver o problema:
? O asfalto tem que ser bem compactado, e a massa colocada no concreto a uma
temperatura de 140 graus. Conforme a extensão das falhas na execução, a única
solução pode ser refazer tudo (recapeamento) ? avaliou Gilberto.
Para a engenheira civil Maria Cascão, professora da Escola Politécnica da
UFRJ, a engenharia vive uma fase ruim no país. Ela lamenta que o prestígio
conquistado nos últimos anos esteja se deteriorando agora:
? A engenharia brasileira sempre foi reconhecida internacionalmente. Muitos
dos problemas registrados nos últimos tempos poderiam ser evitados durante a
elaboração do projeto. Em um momento em que o Rio deveria estar inaugurando suas
obras bem projetadas, estamos remendando intervenções malfeitas. Precisamos
voltar a fazer boa engenharia.
O professor Paulo Cezar Martins Ribeiro, do programa de Engenharia de
Transportes da Coppe/UFRJ, também suspeita de falhas antes da abertura da via
para a população.
? É difícil avaliar sem inspecionar o local. Mas o fato é que um problema
desses só pode ser explicado por falhas de execução.
O presidente da Câmara Comunitária da Barra, Delair Dumbrosck, é outro que
faz críticas. Para ele, o que aconteceu no Joá se repete em outras partes do
Rio, revelando que falta uma fiscalização rigorosa na fase de execução:
? É um problema da cidade, não é só de quem vem para a Barra. Como pode uma
obra recém-inaugurada apresentar defeitos no asfalto? Falta fiscalização por
parte da prefeitura. O aparecimento de buracos de forma tão precoce pode criar
dúvidas entre os usuários sobre a segurança do trecho novo ? lamenta Delair.
O secretário municipal de Obras, Alexandre Pinto, que falou em nome da
Geo-Rio, disse que as causas do aparecimento de buracos no Joá estão sendo
investigadas. Ele trabalha, por enquanto, com duas hipóteses: infiltração de
baixo para cima, e contaminação de óleo das máquinas usadas na etapa final da
obra.
? No buraco maior, logo na saída do primeiro túnel, nossa suspeita é que há
água sendo bombeada de baixo para cima, o que provocou trincas no asfalto ?
disse Alexandre. ? Nos outros buracos, nossa suspeita é que houve contaminação
de óleo de máquinas no asfalto, o que provocou rápida deterioração da
superfície.
A Odebrecht, que executou a obra, afirmou em nota que os
problemas seriam pontuais. Segundo a empresa, o material empregado foi aprovado
após ser submetido a controles de qualidade. ?A resolução definitiva será feita
assim que a condição climática melhorar, uma vez que a pista precisa estar
completamente seca?, informou a empreiteira.
Segundo a prefeitura, o reparo está sendo feito pela
Odebrecht, sem custo para o município.
CICLOVIA AINDA NÃO FOI ENTREGUE
As obras no Joá começaram logo após a Copa do Mundo, em 2014. O projeto é
considerado uma das intervenções mais estratégicas de mobilidade urbana para os
Jogos Olímpicos, por ampliar a capacidade de tráfego entre a Zona Sul e a Barra.
Pelo menos uma das novas pistas será reservada exclusivamente para a passagem
das delegações. Até a decisão final sobre como seria o traçado, várias
alternativas foram propostas.
As obras custaram aos cofres da prefeitura R$ 457 milhões
? obtidos por um empréstimo no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES). As intervenções foram entregues com atraso em relação ao
cronograma original. Pelo contrato assinado com a prefeitura, as obras deveriam
ter terminado no início de março. O município, porém, vinha evitando divulgar
cronogramas e anunciava sempre que as obras terminariam até o fim de junho.
Apesar de a pista estar aberta, nem tudo foi entregue. Por precaução, a
prefeitura ainda não abriu a nova ciclovia entre a Barra e São Conrado, que faz
parte do complexo Tim Maia. A ciclovia está sob análise de especialistas
contratados pelo município. Eles avaliam as condições de segurança do trecho.
A nova pista do Joá permitiu um aumento de 35% na
capacidade de tráfego da via, que hoje recebe cerca de 85 mil veículos por dia.
Com as obras, o Joá passou a ter três faixas permanentes em cada sentido,
reduzindo as retenções na via. Antes da abertura, no rush matinal, a prefeitura
conseguia operar uma terceira faixa, no sentido Zona Sul, com a implantação de
uma reversível. Com a obra, as pistas antigas do Joá no sentido Barra foram
divididas. Uma delas permanece na mesma direção, enquanto a outra passou em
definitivo a atender os motoristas que seguem no sentido São Conrado.
?O MAIS PROVÁVEL É ERRO NA EXECUÇÃO?
Diretora técnica da Associação Brasileira de Pavimentação aponta possíveis
falhas no Joá.
Em tese, quais as possíveis causas dos buracos no asfalto do novo
Elevado do Joá?
O mais provável é que tenha havido algum erro na execução da obra, que
deveria ter sido detectado pela fiscalização ainda durante a execução. A falha
pode ter ocorrido em vários momentos. A composição da massa asfáltica pode não
ter sido projetada para receber o volume de trânsito do Joá. O asfalto também
pode não ter sido bem compactado. Ou foi assentado em condições inadequadas de
temperatura ou de condições do tempo. Na Avenida Brasil, por exemplo, volta e
meia observo operários assentando asfalto em dias chuvosos. É uma falha.
A prefeitura alega que infiltrações na pista ou contaminação do
solo pelo óleo das máquinas usadas na colocação do asfalto podem ter provocado
os buracos. Isso é possível?
Caso o problema tenha sido provocado por infiltração de
água, isso prova que o asfalto não tem a qualidade adequada. E demonstraria
ainda que houve falhas da fiscalização do acompanhamento das obras. Os materiais
empregados devem ser testados em ensaios de laboratório para atestar a
qualidade. Em relação ao vazamento de óleo das máquinas, a hipótese é plausível,
porque dificilmente seria perceptível antes dos buracos se formarem. Mas acho
difícil nesse caso, devido à quantidade de buracos que apareceu nas novas pistas
do Joá em trecho tão pequeno.
UMA SEQUÊNCIA DE PROBLEMAS EM OBRAS
Buraco em asfalto de elevado dez dias após inauguração, queda de ciclovia que
estava em uso há três meses, bonde que para sem energia no segundo dia de
circulação com passageiros e pista do BRT Transoeste cheia de crateras um ano
após ser aberta. Seja por falha em projeto, falta de fiscalização ou manutenção
precária, não tem sido raro que obras públicas do Rio apresentem problemas. Um
dos casos mais graves ocorreu dia 21 de abril, quando parte da Ciclovia Tim Maia
desabou, na Avenida Niemeyer, matando duas pessoas. De acordo com perícia do
Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-RJ), nenhum dos envolvidos na
construção levou em conta a possibilidade de ondas atingirem verticalmente a
estrutura, inaugurada em janeiro. Segundo o órgão, a Geo-Rio não tinha
experiência técnica para licitar e fiscalizar a obra.
Na segunda-feira, primeiro dia útil de operação, o VLT parou, devido a uma
falha no sistema de energia. Passageiros foram obrigados a descer . O serviço
foi retomado 20 minutos depois, segundo a prefeitura, que apura as causas do
problema.
Em 2013, um ano após a inauguração, a pista do BRT Transoeste apresentou
crateras em vários pontos, obrigando os motoristas dos ônibus articulados a
reduzir a velocidade. Na ocasião, o próprio presidente da Sanerio, empresa
responsável pela execução do trecho, disse que uma obra ao lado do corredor
expresso estaria causando infiltração, e os remendos eram só um paliativo.
VEJA TAMBÉM:
George Vidor: De bike até a Praça Mauá
Balão panorâmico será uma das atrações do boulevard olímpico
Trilhos modernos: a nova viagem dos bondes pelo cenário carioca
Operários limpam trilhos na Avenida Rio Branco antes da passagem do VLT