Cotidiano

Movimento antivacina põe a região inteira em alerta

Proximidade com a fronteira e elevado número de turistas estão entre os motivos

Foz do Iguaçu – A aproximação das férias de verão e a queda na cobertura vacinal, associadas ao desinteresse de muitos pais em levar seus filhos para imunização, colocam o Paraná em um estágio avançado de alerta epidemiológico, sobretudo na região oeste e especialmente na fronteira com o Paraguai e a Argentina.

O chefe do Centro Estadual de Epidemiologia da Sesa (Secretaria de Estado da Saúde), João Luís Trivellaro, afirma que a luz amarela está acesa e doenças até então erradicadas graças às vacinas agora são colocadas em xeque. “A exemplo do que ocorre no Brasil, no Paraná baixou o índice de cobertura vacinal e doenças como a poliomielite, o sarampo e a rubéola podem voltar a qualquer momento”, afirma.

Foz do Iguaçu é uma das cidades onde esta janela é considerada a mais aberta. Além de estar na fronteira, a Terra das Cataratas recebe todos os anos mais de 1 milhão de visitantes, parte deles vinda de países onde doenças como o sarampo estão em plena circulação, a exemplo de Holanda, Inglaterra, Alemanha, Espanha e a vizinha Venezuela, de onde vêm milhares de pessoas fugindo das crises política e econômica. “Quando os venezuelanos chegam e se legalizam, há uma indicação para as vacinas, mas e as pessoas que chegam e não estão legais no Brasil? Como controlar isso?”, destacou.

Antivacina

O movimento contravacina põe em risco ações massivas realizadas há décadas em todo o País. “O Brasil é o País do mundo onde há maior cobertura vacinal gratuita. Existem muitas informações circulando sem nenhum cunho científico tratando de possíveis problemas provocados pela vacina. São muitas mentiras que colocam a saúde pública em risco”, reforçou.

No Paraná, desde 2000 não se registra caso de sarampo, desde 2005 não há caso de rubéola e a poliomielite no Brasil está erradicada desde a década de 1980. “Mais tudo isso pode mudar caso aumente a recusa das imunizações. Ainda temos uma alta taxa de cobertura vacinal, mas já sabemos que ela caiu no Brasil e no Paraná. Não podemos medir em números ainda, mas esse diagnóstico de queda já existe”, completou.

 

Saúde reforça vigilância no Estado

A falta de cobertura vacinal nos adultos também preocupa. “Temos muitos casos de adultos que deixam de tomar as vacinas, neste caso por desconhecerem que existe um calendário para eles também, por isso a orientação é para que os adultos sigam para a unidade de saúde mais próxima de casa e leve a carteirinha. Se ela não existir, vamos procurar nos registros se há algo em seu nome, se mesmo assim nada for encontrado, vamos analisar pela faixa etária qual vacina essa pessoa precisa tomar”, explica João Luís Trivellaro.

Todas essas ações – tanto de imunização infantil quanto de jovens e adultos – estão sendo estimuladas pelo Programa Nacional de Imunização, fomentado pelo programa estadual para este mesmo fim. “Não temos há décadas casos de pólio no Brasil, mas isso pode mudar do dia para a noite porque em países como Afeganistão, Nigéria e Paquistão o vírus ainda circula e hoje, em poucas horas, alguém pode atravessar o mundo e levar com ela o vírus”.

A vigilância no Estado está sendo reforçada com frequência. Há poucos dias as 22 Regionais de Saúde passaram por uma videoconferência pedindo monitoramento constante aos casos suspeitos dessas doenças. “Como alguém pode ser contra um produto que só tem benefícios e ainda por cima é oferecido de forma gratuita?”, questiona Trivellaro.

Mais da metade dos municípios não atingiram meta de vacinação

Cascavel – A 10ª Regional da Saúde de Cascavel é uma das regionais que já finalizaram as avaliações de cobertura, mesmo que parcial, principalmente das imunizações destinadas a crianças de até um ano.

No caso de poliomielite, em que a meta é vacinar pelo menos 95% das crianças, em 14 dos 25 municípios cobertos a meta não foi atingida. O menor percentual, considerando a avaliação até outubro de 2017, é para o município de Iguatu, onde apenas 46% na faixa etária indicada foi imunizada.

No caso da BCG, 19 municípios não atingiram a meta de imunização a exemplo da hepatite B, a qual 13 municípios não atingiram o preconizado.

O enfermeiro Daniel Loss, da 10ª Regional, reforça que, apesar da preocupação sobre a queda nos índices de imunização, alguns aspectos precisam ser salientados: “Lembro e friso que esses dados são preliminares e ainda podem mudar. Na verdade, os dados da campanha de multivacinação não estão contabilizados nessa cobertura, por questões de sistema do Ministério da Saúde. Outra questão é que esses dados são por município de vacinação e não residência. Sendo assim, em partes justifica a cobertura da BCG e Hepatite B, são feitas no hospital quando nasce o bebê”, considera.

Segundo Loss, a população para cobertura vacinal é calculada pelo total de nascidos vivos registrados há dois anos, o que leva municípios muito pequenos a uma população superestimada, o que dificulta atingir a meta, como seria o caso de Iguatu.

Questionado se o efeito contravacina tem sido observado nas unidades de saúde desses 25 municípios, o enfermeiro é enfático em relatar que sim. “Observado nas nossas conversas, diretamente no posto de saúde, há pais que deixam de dar as vacinas às crianças conscientes do que estão fazendo”, conta.

“O movimento que estamos vivendo no Brasil não é expressivo como na Europa e nos Estados Unidos, por exemplo, mas a preocupação é para que isso se alastre com informações equivocadas e se desconstrua um programa de anos”, salienta.

Pais que recusarem imunização podem ser levados à Justiça

Cascavel – Como se trata de um direito, sobretudo para as crianças, as vacinas são um bem adquirido do qual, avalia a saúde pública, jamais deveria ser abdicado.

Os pais podem optar por não imunizar os filhos, mas medidas extremas podem ser tomadas se essa tendência crescer.

Segundo Daniel Loss, pode haver um processo de judicialização para aplicação das doses. “Na região isso não aconteceu e esperamos que nem aconteça. O que se deseja é que os pais levem os filhos para serem imunizados, mas, se for observado que os índices de imunização estão caindo muito, não se descarta acionar o Conselho Tutelar, por exemplo, ou outros órgãos”, alerta, ao lembrar que a partir daí pode-se chegar à Justiça pedindo a obrigatoriedade.

“Nunca se quer chegar a isso, mas pedimos que os pais deem as vacinas aos filhos. Precisamos de uma ação de contramídia para desmitificar notícias sem cunho científico. As vacinas são muito eficazes. A prova disso é o desaparecimento de muitas doenças por anos, décadas. Então, mais do que apelar para algo punitivo, precisamos levar a informação mais correta possível”, conclui.

O motivo da recusa à vacina

A reportagem conversou com uma mulher que é contra a vacinação. Ela pediu para não ser identificada, mas apresentou seus argumentos sobre o assunto: “Não confio [nas vacinas]. Em muitos casos é o próprio vírus sendo injetado no corpo da criança. Entendo que isso pode ser maléfico”.

Mãe de dois filhos, uma menina de dez e um menino de dois anos, ela diz que só leva as crianças para a imunização porque seria quase impossível matriculá-los na escola, ou levá-los para a creche. “Só vacino porque na escola e na creche pedem a carteirinha, mas não acredito que tudo o que falam das vacinas seja mentira. Pesquiso, me informo e se fosse algo tão errado ou mentiroso, este movimento não estaria crescendo tanto na Europa e nos Estados Unidos, onde as pessoas são, de modo geral, mais esclarecidas e buscam mais informações”.