Cotidiano

Morre o artista plástico Tunga, aos 64 anos

Pernambucano radicado no Rio sofria de câncer e estava internado desde 12 de maio

RIO – Um dos grandes nomes da arte contemporânea brasileira, Tunga morreu às 16h desta segunda-feira de câncer, aos 64 anos. Ele estava internado no hospital Samaritano, na Zona Sul do Rio, desde 12 de maio. Pernambucano radicado no Rio desde a juventude, ele tem uma obra que recusa categorias da história da arte brasileira. O corpo deve ser enterrado nesta terça ou quarta-feira, no cemitério São João Batista, a pedido do próprio artista, que queria ficar no jazigo da família.

Tunga foi o primeiro artista contemporâneo do mundo a ter uma obra no Louvre, em Paris. Apesar de ter despontado nos anos 1970, junto a artistas que também criaram esculturas e instalações marcadas pela reflexão, como Cildo Meireles e Waltercio Caldas, Tunga construiu um vocabulário e uma gramática particulares. Sua obra é barroca, carregada de simbolismos e potência física, interessada em criar novas relações entre imagens recorrentes em 40 anos de trajetória: ossos, crânios, tranças, dedais, agulhas e bengalas gigantes, redes, dentes, recipientes de vidro, líquidos viscosos.

A escultura “Lezart”, criada em 1989, é exemplar do repertório formal do artista. Fios e tranças de cobre atravessam pentes monumentais de ferro, e a eles são unidos por ímãs – por meio deles, as partes de sua escultura podem ser sempre recombinadas, criando novos sentidos. “Fazer arte é juntar coisas”, repetia, ressaltando que dessa junção de elementos aparentemente sem conexão algo novo se revelaria, como na poesia.

“Nasci em Palmares, Pernambuco, ao mesmo tempo em que nasci no Rio de Janeiro, no mesmo dia e hora”, escreveu Tunga, batizado como Antônio José de Barros Carvalho e Mello Mourão, filho do jornalista e poeta Gerardo Mello Mourão e de Léa de Barros (ela é uma das “Gêmeas” da célebre tela de Guignard). O artista costumava contar que nasceu em Palmares, tendo se mudado paro o Rio ainda criança, mas chegou a dizer que essa era mais uma de suas histórias inventadas.

De todo modo, foi no Rio de Janeiro onde Tunga construiu seu pensamento visual, desde sua primeira exposição individual no Museu de Arte Moderna, em 1974, aos 22 anos. Com 50 desenhos, “Museu da masturbação infantil” anunciava o erotismo que seria presente em sua obra, em que sempre predominou uma presença corpórea. Não à toa, ele costumava inaugurar seus trabalhos com performances, que chamava de instaurações.

PARCERIA CONSTANTE COM ARNALDO ANTUNES

Em 1998, atores carregaram uma trança para “instaurar” a obra “Tereza” no Museu de Belas Artes do Rio, ao som de Arnaldo Antunes, que se tornaria parceiro constante do artista; e novamente quando o trabalho chegou a Inhotim, o maior centro de arte contemporânea do país, em Brumadinho, Minas Gerais, de cuja criação Tunga foi um dos inspiradores. Em 2012, o artista inaugurou ali um espaço de 2.600 metros quadrados para algumas suas esculturas, a Galeria Psicoativa.

Na galeria também está “Lezart”, “instaurada” com “Xifópagas capilares”, performance de 1984 criada a partir de uma lenda inventada por Tunga: duas meninas unidas pelo cabelo que são decapitadas porque não querem se separar. Outro pavilhão do instituto, existente desde 2006, é dedicado a “True Rouge” (1997), e foi aberto com uma ação de mulheres e homens nus, que espalharam um líquido viscoso vermelho no chão e nas redes de mesma cor, fazendo-o transbordar de garrafas transparentes.

Em “Resgate”, que inaugurou o Centro Cultural Banco do Brasil, em 2001, a coreógrafa Lia Rodrigues dirigiu mais de 100 pessoas, que pintaram de vermelho uma instalação monumental, em performance de oito horas.

Além das parcerias constantes com Lia Rodrigues e Arnaldo Antunes, Tunga fez o vídeo “Nervo de prata” (1987) com Arthur Omar, e uma trilogia audiovisual com o cineasta Eryk Rocha: “Medula” (2004), a abotoadura do vestido feita com os dentes de um casal; “Quimera” (2004), exibido nos festivais de Cannes e Sundance, chamado de sonhometragem pela dupla; e “Laminadas almas” (2006), filmado na performance de mesmo ano no Jardim Botânico do Rio com 600 rãs, 40 mil moscas, girinos, larvas, estudantes de jaleco, luvas e asas gigantes.

PRIMEIRO ARTISTA CONTEMPORÂNEO DO MUNDO NO LOUVRE

A exploração do audiovisual começou em 1980, com “Ão”, 16mm em looping que mostra a curva de um túnel, como se ele não tivesse entrada nem fim, exibido no ano seguinte na Bienal de São Paulo, da qual participou ainda em 1987 e 1994. Tunga expôs também na Bienal de Veneza, na documenta de Kassel e foi o primeiro artista contemporâneo do mundo a ter uma obra no Louvre, em Paris.

Nas duas principais publicações sobre sua obra, ambas da hoje extinta editora CosacNaify, Tunga se manteve fiel a esse princípio, escolhendo textos que não teorizassem sobre seu trabalho, mas acrescentassem sentidos poéticos a ele. Como “Isso”, de Arnaldo Antunes, publicado originalmente no “Jornal da Tarde”, em 1994: a queda dos dentes,/ o desmame/ (o desmesmo),/ a amnésia cotidiana,/ o oco da caixa craniana,/ o ovo do sino/ (o badalo),/ a sombra do símbolo,/ a lembrança da silhueta do semblante,/ o silêncio dos pêndulos,/ o silêncio de todas as coisas que dependem de tempo” – diz um trecho do poema.