Links MobyRIO ? Um dos principais nomes da história da música eletrônica, vendedor de mais de 20 milhões de discos, Moby foi um quase sem-teto, vivendo com traficantes e viciados numa fábrica abandonada onde não havia um chuveiro sequer, em Connecticut, antes de ganhar a chance de tocar na Mars, uma boate cool em Nova York. Aos 50 anos, o DJ, produtor, cantor, compositor e fotógrafo americano decidiu contar esses e outros momentos pré-fama na autobiografia ?Porcelain: Memórias?, que acaba de sair no Brasil pela editora Intrínseca (leia um trecho aqui). Nela, Richard Melville Hall mergulha no que lhe aconteceu desde o fim da adolescência até o lançamento de ?Play?, seu álbum de maior sucesso, em 1999.
? Muitas pessoas não sabem de nada do que vivi antes de ?Play? ? conta, em entrevista por telefone ao GLOBO, ao explicar o recorte temporal do livro. ? Além disso, minha história de 1989 a 1999 é apenas mais estranha e mais interessante do que a da década seguinte. De 1999 a 2009, fui ladeira abaixo.
Em narrativa irônica e autodepreciativa, que tem como coadjuvante uma Nova York obscura, em plena epidemia do crack, o músico fala sobre os extremos de sua vida: passou os primeiros anos da fase adulta sem beber nem usar drogas, num ambiente pouco amigável aos ?caretas?, até sucumbir aos vícios após uma desilusão amorosa. Era um anônimo que vivia com US$ 8 mil por ano no início da carreira e depois virou um popstar da música eletrônica, com grandiosas turnês mundiais, hits nas rádios e participações em programas de auditório.
? Agora, depois de ter vivido isso, e foi divertido!, vejo que a tríade fama-sucesso-dinheiro não me deixou mais feliz do que na época em que morava em minha fábrica abandonada. E essa é uma lição fenomenal a ser aprendida ? diz.
Hoje, após reencontrar a sobriedade, Moby mora em Los Angeles, viaja o mínimo possível e passa o tempo fazendo caminhadas, trabalhando como ativista em defesa dos direitos dos animais ? no ano que vem, ele completa 30 anos de veganismo ? e lançando discos de house/ambient music, entre eles um trabalho voltado à prática do ioga (ouça no fim da matéria).
? Eu não quero ser um músico de meia-idade que continua acumulando turnês, como se fosse um trabalho, uma obrigação, desejando ainda ser jovem e relevante. Eu prefiro passar meu tempo trabalhando em casa. Parece-me um uso mais inteligente do restante da minha vida do que fingir que ainda estamos em 2001 ? justifica. Minha história de 1989 a 1999 é apenas mais estranha e mais interessante do que a da década seguinte. De 1999 a 2009 eu basicamente apenas bebi demais, usei muitas drogas, fiz turnês e fui ladeira abaixo
Quando você decidiu escrever uma autobiografia?
Foi há cerca de cinco anos, numa festa no Brooklyn. Alguém me perguntou sobre minhas primeiras experiências em Nova York no fim da década de 1980, e eu reparei o quanto a cidade tinha mudado nestes últimos 30 anos. As pessoas ao meu redor só conheciam a cidade como ela é hoje. Além disso, eu sempre via minha vida como algo normal. Até que reparei que eu estava errado. Não, minha vida não tinha sido nada normal. Foi bem estranha, na verdade.
Em que sentido?
Bom, eu era um DJ branco, religioso e heterossexual em um mundo musical que era basicamente frequentado por negros e gays. E, por boa parte das décadas de 1980 e 90, eu estava sóbrio num meio que era abastecido por drogas e álcool. Além disso, eu vivi em Nova York no auge da epidemia do crack, quando a vida por lá era genuinamente fodida e perigosa.
E o que acha que mudou de positivo e negativo em Nova York, desde então?
A melhor mudança, sem dúvida, é que Nova York é muito mais segura agora. A taxa de criminalidade diminuiu muito, as crianças não têm mais chances de serem assassinadas por traficantes quando vão para a escola… Em contrapartida, a cidade se tornou tão cara que todos os artistas, escritores e músicos tiveram que sair. Culturalmente, Nova York era um lugar muito mais interessante há 20 ou 30 anos.
Por que você decidiu escrever apenas suas histórias até 1999? Pensa em lançar um segundo livro?
Sim, eu pretendo escrever uma sequência. Mas eu queria que o livro parasse em 1999 porque muitas pessoas não sabiam nada sobre mim até aquela época. Além disso, minha história de 1989 a 1999 é apenas mais estranha e mais interessante do que a da década seguinte. De 1999 a 2009 eu basicamente apenas bebi demais, usei muitas drogas, fiz turnês e fui ladeira abaixo. E essa história já foi contada muitas vezes. Quer dizer, todo mundo do Guns N’ Roses já contou esse tipo de história. O lado esquisito do que antecede isso simplesmente torna o livro mais interessante (ouça no player abaixo os maiores sucessos de Moby). Disco Moby
A sensação de esquisitice, aliás, está sempre presente na sua narrativa. Esse espírito de autodepreciação o ajudou de alguma maneira?
Ajudou porque definitivamente me fez trabalhar mais. O sentimento de não pertencimento me fez isso. Talvez esse seja o lado positivo disso.
Chama atenção no livro a simplicidade com que você descreve seu processo de criação musical. Falar de música é tão fácil, para você, quanto fazer música?
A questão é: quando falamos sobre fazer música estamos falando do lado técnico, do lado emocional ou do contexto? Eu não estou tão interessando em falar sobre a parte técnica, nem em apontar qual guitarra, compressor ou microfone eu usei naquela música. Prefiro descrever minha reação emocional ou tentar descrever o ambiente em que a música foi feita. Eu li algumas autobiografias musicais em que o artista fala sobre fazer música, mas é basicamente com foco no lado técnico da coisa. E isso é interessante apenas para outros artistas. Falar sobre música e não incluir o lado emocional é como falar de comida e não citar o sabor.
Você viveu intensamente tanto a sobriedade quanto o alcoolismo. Como cada uma dessas experiências influenciou seu trabalho?
Tem um lado muito prático: enquanto eu estava bebendo e usando drogas, eu passei muito tempo fazendo isso. E perdi mais um tanto de tempo de ressaca. Nos períodos em que estive sóbrio, eu produzi mais e adoeci menos. É quase como um experimento científico. Um dos objetivos de qualquer experimento é limitar o número de variáveis. E, quando eu estava me alimentando de vodca e cocaína, as variáveis eram muito intensas. Agora, eu tenho a habilidade de ver coisas diferentemente e, talvez, um pouco mais claras.
Depois de certo sucesso na cena rave, você se tornou uma espécie de popstar com o lançamento de ?Play?, em 1999. Hoje, você está distante do que chamamos de mainstream. Como lida com isso?
O sucesso de ?Play? foi completamente acidental. E eu penso que uma das razões de ter acontecido foi para que eu pudesse aprender o que é fama e sucesso em primeira mão. Nós vivemos neste mundo em que todos são obcecados por dinheiro e sucesso, mas poucas pessoas puderam realmente viver isso. Agora, depois de ter vivido, e foi divertido!, vejo que não me deixou mais feliz do que na época em que vivi em minha fábrica abandonada. E essa é uma lição fenomenal a ser aprendida. Eu nunca conheci alguém tão pobre quanto eu fui, e estive no outro extremo, tendo sucesso e uma quantidade decente de dinheiro. Por isso, posso dizer claramente que, se meu último disco tivesse vendido 10 milhões de unidades, o suco de laranja que eu bebo no café da manhã não teria um gosto diferente por isso. Se meu livro vender milhões de cópias, quando eu for caminhar, o sol vai tocar minha pele exatamente da mesma maneira. É bom saber que coisas que realmente importam, que valorizamos, não são necessariamente melhores por conta da fama e do sucesso.
Você já veio ao Brasil algumas vezes (a última foi em 2010). Algum plano para uma próxima visita?
Eu amo o Brasil. É um país extremamente fascinante, dinâmico e extraordinário. Porém, pretendo viajar o mínimo que puder pelo resto da minha vida.
Por quê?
Eu apenas não quero ser um músico de meia-idade que continua acumulando turnês, como se fosse um trabalho, uma obrigação, desejando ainda ser jovem e relevante. Prefiro passar meu tempo em casa, escrevendo livros, fazendo músicas, caminhando… Parece-me um uso mais inteligente do restante da minha vida do que estar em turnê fingindo que ainda é 2001. Talvez algum dia eu até faça turnês de novo, mas, agora, apenas ficar em casa, tendo uma vida simples, me parece mais atraente. E é claro que isso deixa meu empresário louco, já que o único jeito de ganhar dinheiro, hoje, é fazendo shows (risos). Moby – Lift me up
SERVIÇO
?Porcelain: Memórias?
Autor: Moby.
Tradução: Alexandre Raposo.
Editora: Intrínseca.
Páginas: 416.
Preço: R$ 44,90. Disco para ioga de Moby