Cotidiano

Frank Kresin, pesquisador: 'A sociedade será melhor se compartilhar soluções'

201605172153236108.jpg“Tenho 43 anos, sou holandês e também alemão. Sou diretor de pesquisas do instituto Waag Society, da Holanda. Somos um grupo de 60 pessoas desenvolvendo tecnologias para inovação social. Trabalhamos nas áreas de saúde, educação e patrimônio e ajudamos a democratizar o acesso às tecnologias.”

Conte algo que não sei.

Não há limite para o que o indivíduo pode fazer por si mesmo atualmente. A internet nos capacitou para acharmos novos amigos, redes e recursos. O crowdfunding é um exemplo. Vi pessoas fazerem pequenos satélites em suas garagens. Conversei com uma que fez o próprio reator de fusão nuclear na sala de estar. Então, se alguma coisa impede que você faça o que realmente quer, você não está se levando a sério. Podemos fazer quase tudo. E isso pode ser também algo social.

O que é a cidade inteligente?

Essa ideia começou por volta de 2008, quando grandes empresas passaram a ver a cidade como um novo mercado para suas soluções. Havia uma crise financeira, e muitas delas não podiam mais arcar com os custos de ideias caras. Então, as companhias que forneciam essas soluções disseram: “Ei, cidades, se vocês começarem a empregar tecnologia numa escala maior vocês se tornarão inteligentes.” Inteligência significa mais eficiência, mais transparência. Muitas iniciativas de cidades inteligentes se referem a melhorar o “metabolismo urbano”, como se costuma dizer. A mobilidade é importante, o manejo da água, do lixo, da energia… Então, se tecnologias forem empregadas e sensores instalados em todas as ruas da cidade tornaremos esses processos mais eficientes, e as pessoas terão uma vida melhor.

E qual o papel do cidadão nessa história?

Não se pode ter cidades inteligentes sem cidadãos inteligentes. Vocês têm aqui o Centro de Operações Rio, que tenta controlar a cidade em grande escala. Mas, ao mesmo tempo, os cidadãos estão começando a se movimentar. Todo mundo tem um telefone e pode, com um toque, criar as próprias soluções. E você vê isso acontecendo por todo lado.

Mas você vê esse movimento de mudança no Rio? Ou é um movimento basicamente europeu?

Não conheço muito o Rio. Eu posso falar de Amsterdã, Barcelona, Helsinque, Paris, Londres… Lá, você vê as pessoas compartilhando coisas, em vez de apenas comprar. A sociedade será melhor se começarmos a compartilhar soluções. Pode ser carro, pode ser por meio do Airbnb.

Cite outros exemplos de compartilhamento que já são realidade .

Em Amsterdã, as pessoas estão começando a medir por conta própria a poluição do ar, porque sabem que está muito alta , e a prefeitura não está fazendo o suficiente para conter o problema. Na política, o partido espanhol Podemos vem usando ferramentas poderosas de democratização, com decisões colaborativas. Há muitos exemplos, e tudo isso tende a ocorrer cada vez mais e em maior escala.

Como serão as cidades no futuro?

Vejo as cidades no futuro como lugares onde os cidadãos inteligentes se manifestam e onde há um uso massivo de tecnologias nas ruas, nos edifícios. Espero que as cidades no futuro sejam transparentes, democráticas e inclusivas. Mas isso só será possível quando as pessoas começarem a usar tecnologias. Não estou falando de teoria, e sim de começar a trabalhar isso já na escola. Nós somos, como coletivo, capazes de criar soluções mais inclusivas. Acredito nessas ideias. Podemos ter uma sociedade próspera compartilhando recursos.

Mas essa sociedade não seria uma utopia?

Não, estamos falando de presente. De uma visão para o presente. Em Amsterdã, está começando a acontecer. Enfrenta mos hoje no mundo mudanças climáticas, recessão, envelhecimento da população, crise na mobilidade. Para esses grandes problemas, precisamos pensar em novas soluções. Hoje há em Amsterdã coletivos compartilhando uma mesma casa e trocando energia, pessoas que deixaram de ter carro para compartilhar transporte, que estão usando Airbnb. Eu sou muito otimista em relação ao futuro.

Aqui, na América Latina, parece que essa cultura ainda está engatinhando…

Se vocês têm mais problemas aqui do que nós, também têm mais urgência por novas soluções. E elas não têm a ver com largos recursos, e sim como se reorganizar usando as tecnologias que vocês têm à mão. Estão ficando cada vez mais baratas, e informação hoje chega a custo zero. Vocês podem fazer aqui muito melhor que a gente lá. Estão prontos, mas precisam parar de esperar que outros resolvam seus problemas. Vocês podem solucioná-los por si mesmos agora.

E qual seria a contribuição dos governos para a construção de uma cidade inteligente nesses termos?

Eles precisam investir na alfabetização tecnológica das pessoas e convidar hackers para o governo. Os hackers têm várias características positivas. Eles não costumam aceitar as coisas do jeito como são, e tentam mudá-las por eles mesmo s e também pelos outros. A terceira medida é passar a usar tecnologias com código aberto. Apenas com código aberto podemos compartilhar soluções. O quarto ponto é pensar na população de modo sério. Se não há interesse no que ela tem a dizer, não se conseguirá engajá-la em nada. Fazendo tudo isso, é possível ter uma cidade que funcione como uma plataforma de mudanças.