Cotidiano

Douwe Jan Joustra, economista: 'As pessoas não querem um aparelho de TV'

“Tenho 62 anos, nasci em Drachten, na Holanda. Sou formado em nature conservation e tenho mestrado na mesma especialidade. Sou fundador da ICE Amsterdam, consultoria que trabalha com o conceito de economia circular, e adoro empinar e fabricar pipas.”

Conte algo que não sei.

O foco das empresas não deveria estar mais nos produtos apenas, mas neles e nos serviços, porque é isso o que o cliente quer. Essa é a mudança econômica real que queremos com a economia circular.

Como assim?

As pessoas não querem um aparelho de televisão, querem ver notícias, filmes etc. Então, por que não manter a propriedade das TVs com os fabricantes e as pessoas pagarem a eles pelas horas que podem assistir? Eles podem fornecer o serviço e, depois de um tempo, substituir aquela TV por outra, reaproveitando praticamente todas as peças e materiais para a construção de novos aparelhos. Assim é a economia circular. Estimula-se a reciclagem dos materiais e evita-se que as coisas acabem no lixo.

Já há algum exemplo em prática?

A Xerox faz isso há muitos anos. As empresas não compram máquinas fotocopiadoras. Elas pagam pelo serviço, e a Xerox entrega as máquinas, conserta e as substitui quando preciso. É um sistema que já dá certo.

Em que tipo de produtos se pode pensar quando se fala em economia circular?

É impossível fazer isso com meus lenços de papel, por exemplo. Estes vão acabar indo para o lixo, mas a economia circular é viável para todo tipo de mobília, eletrônicos, meios de transporte e muitas outras coisas.

É possível ter essa economia no ambiente doméstico?

O que vemos na Holanda é que indivíduos acham muito difícil fazer esse tipo de contrato de prestação de serviços, porque não estamos acostumados. Por outro lado, a economia de compartilhamento está crescendo muito rápido. As pessoas compartilham carros, ferramentas e todo tipo de coisas. Em Amsterdã, temos um aplicativo que permite que eu diga que preciso de algo e outra pessoa, num determinado raio de quilômetros, veja e diga: “Ah, eu tenho isso. Você pode vir e pegar.” É claro que ela estipula um preço por essa espécie de aluguel. Isso significa que estamos nos acostumando a usar coisas sem termos as coisas. Duas das maiores empresas do mundo hoje são baseadas no princípio de compartilhamento: a Uber e o Airbnb. A Uber é a maior empresa de táxi do mundo hoje e não possui sequer um carro.

Como um país pobre como o Brasil pode fazer parte deste tipo de economia?

Não acho que o Brasil seja um país pobre. Vocês têm mais um problema social e político do que econômico. A ecologia e a biodiversidade brasileiras são fabulosas. O Brasil deveria pensar onde está sua abundância. Por exemplo, pense na enorme quantidade de energia que se pode obter do sol. O Brasil também tem uma enorme quantidade de mão de obra, e enorme biodiversidade. Tudo isso pode ser transformado em serviço. Acho que vender todas as coisas que vocês têm não é a melhor ideia, porque quando você vende só recebe uma vez. Mas quando oferece os serviços você tem o dinheiro entrando o tempo todo.

Quais são as barreiras para essa nova economia? Por que não estamos mais avançados?

Porque perdemos muito tempo tentando equilibrar a relação entre “pessoas, planeta e lucro”. Quando você tenta equilibrar isso, todos perdem um pouco. Agora, se pensa em uma nova economia, numa nova forma de produzir, o resultado pode ser bom para todas as partes.