RIO – Entre os principais atrativos de Monsaraz, em Portugal, estão um castelo medieval, dois conjuntos megalíticos pré-históricos, um convento do século XVII e todas as estrelas que alguém é capaz de contar. A pequena e pouco conhecida cidade do Alentejo é um importante destino do turismo astronômico, ou astroturismo, aquele que valoriza a qualidade do céu para observação de estrelas, planetas, galáxias e cometas. Ou seja, os astros que antes indicavam os caminhos, hoje são os próprios motivos para uma viagem.
A motivação de observar o céu pode ser acompanhar fenômenos pontuais ? eclipses, chuvas de meteóros, aparição de planetas e cometas ? ou apenas ver com mais clareza o que a poluição (atmosférica ou luminosa) das cidades esconde. A prática é mais difundida nos Estados Unidos e na Europa, mas países do Hemisfério Sul, como Austrália, Nova Zelândia e Chile, sobretudo no Deserto do Atacama, têm se tornado importantes destinos para o stargazing, como a observação de astros é chamada em inglês. No Brasil, essa atividade ainda é restrita a clubes de astronomia amadores e à programação dos observatórios espalhados pelo país.
Para o astrônomo Carlos Veiga, coordenador da Divisão Educacional do Observatório Nacional, no Rio, algumas características são fundamentais para que um lugar seja um bom destino para caçar estrelas.
? Quanto mais alto e mais escuro o lugar, e mais limpo o céu, melhor. O ideal é que seja distante dos centros urbanos e em altitudes maiores. Ou seja, sítios em Nova Friburgo ou Teresópolis, em noites sem nuvens, por exemplo, podem ser ótimos para observar o céu, sem precisar ir muito longe do Rio ? cita o cientista.
Certificação internacional
Quando o tema é garantia de boas condições para observação celeste, duas organizações são referências internacionais, a International Dark-Sky Association (IDA) e a Starlight Foundation. Ambas se dedicam à preservação da iluminação natural (e da consequente escuridão noturna) de áreas com pouca densidade urbana.
A primeira (darksky.org), fundada em 1988, já certificou 42 destinos como Dark Sky Parks. Trinta e um deles ficam nos Estados Unidos, sobretudo em áreas mais secas, como Utah, Arizona, Califórnia, Nevada e Novo México. Mesmo as unidades de conservação que não aparecem na lista investem no astroturismo como forma de atrair visitantes. O popularíssimo Joshua Tree National Park tem um programa (Night sky) em que guardas florestais viram guias dos atrativos celestes vistos do parque, onde também há, em quase todo sábado à noite, sessões abertas ao público no observatório Sky?s the Limit.
Na região do parque de Big Bend, no Texas, os visitantes atraídos pelas estrelas podem se hospedar no El Cósmico, um ?hotel-nômade? composto por tendas, trailers e cabanas, cuja grande atração é a vista privilegiada para a escuridão da noite.
Já a Starlight Foundation (starlight2007.net), lançada em 2007 com o apoio da ONU e da Organização Mundial do Turismo, entregou a certificação Starlight Tourism Destination a 17 destinos, a maioria na Península Ibérica. A primeira delas foi a Reserva Dark Sky de Alqueva, que reúne seis cidades no Alentejo (entre elas, Monseraz), que combina o turismo rural com stargazing. Lá, é possível observar estrelas em passeios de barco, cavalgadas e caminhadas noturnas, além de ter aulas de fotografia e astronomia (darkskyalqueva.com).
DIFERENÇAS ENTRE OS CÉUS DO NORTE E DO SUL
A combinação de altitudes elevadas, clima seco e baixa densidade populacional colocou o Chile no mapa das estrelas. Maior referência na América Latina em observação astronômica, o país se consolidou como um dos principais destinos de astro-turismo abaixo da Linha do Equador. Muitos observatórios aparecem com destaque entre os atrativos de regiões do centro e do norte do país (chile.travel/que-hacer/astroturismo).
Na região de Coquimbo, o observatório mais conhecido é o de Cerro Tololo, com oito telescópios a 2.200 metros de altitude. Ele fica próximo à cidade de Vicuña, no Vale do Elqui, onde também se encontram outros dois importantes observatórios abertos ao público: o Gemini (que tem participação brasileira) e o Mamalluca, totalmente voltado ao turismo.
Na região de Antofagasta está San Pedro de Atacama, um dos céus mais limpos do mundo. A cinco mil metros acima do nível do mar está o observatório Alma, com um conjunto de 66 antenas radiotelescópicas. Diversas agências organizam visitas aos centros de pesquisas e passeios noturnos, com guias e astrônomos.
Essas atividades integram dois pacotes oferecidos pela Agência Marcos Pontes, que tem o primeiro astronauta brasileiro como um dos sócios. O primeiro, com saída de 24/2 a 1/3, terá como foco o eclipse anular solar. O segundo, de 13 a 19/11, será motivado pela chuva de meteoros Leónias (agenciamarcospontes.com.br).
Além do Chile, o astroturismo está consolidado em lugares da Austrália e Nova Zelândia, que atraem visitantes, sobretudo europeus e americanos, atrás de céus diferentes. É que o que vemos no firmamento muda de acordo com a nossa localização. O Cruzeiro do Sul, por exemplo, é figura carimbada no Hemisfério Sul, mas nunca é visto no Norte, assim como as Nuvens de Magalhães, galáxias-anãs. O contrário ocorre com a Estrela Polar e a Ursa Maior, símbolos dos céus do Norte. A própria Via Láctea é vista de ângulos diferentes.
? A observação muda também com a época do ano. Agora no verão, por exemplo, vemos bem a constelação de Órion, mas não a de Escorpião, que aparece no inverno ? ensina a astrofísica Mariangela de Oliveira-Abans, coordenadora de Divulgação e Ensino Informal do Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA).
O laboratório é uma das melhores opções de astroturismo no Brasil. Uma vez ao mês, faz o evento ?Sábado crescente?, durante a lua crescente, com palestras e observação noturna no terraço da sua sede, em Itajubá (MG). Já o observatório, na vizinha Brazópolis, recebe visitantes todos os sábados, de manhã. Mas uma vez por ano o público pode ficar até a noite, no ?Tarde e noite de portas abertas?, que este ano será em 6 de maio, das 14h às 23h. Os convites são bem mais escassos que as estrelas, e as inscrições devem ser feitas em lna.br.
DICAS PARA VER ESTRELAS
Equipamento. Para Carlos Veiga, do ON, um binóculo basta para uma observação amadora. ?O campo de visão mais aberto que o de lunetas e telescópios permite melhor experiência?, diz.
Aplicativos. Programas para celulares como Sky Map (grátis) e Stellarium (pago) ajudam a localizar e identificar os astros com sistema de GPS.
Fotografias. Use câmeras profissionais ou semi, lentes grande-angulares, tripé e disparador. Coloque o foco no manual, abaixe o ISO e programe a exposição acima de 5 segundos com a maior abertura de diafragma possível.
Adaptação. Uma vez no escuro, o olho humano leva um tempo para começar a perceber os detalhes com pouca luz.