Cotidiano

Andrew Finn Magill, músico: 'Melodias são como as orações de uma língua

“Nasci na Carolina do Norte, EUA. Comecei a estudar na infância música tradicional irlandesa. Toquei com bandas de vários gêneros por EUA, Canadá, Irlanda, França e África. Vim ao Rio de férias, em 2014. Conheci minha namorada e me apaixonei por ela e pela música brasileira, especialmente pelo choro.”

Conte algo que não sei.

Música é uma linguagem, tal qual um idioma. Podemos aprender qualquer gênero de música com as mesmas técnicas usadas para aprender uma língua estrangeira. Quando aprendemos uma língua, começamos a desenvolver um vocabulário. No mesmo sentido, podemos buscar as “palavras” de um estilo musical, ou seja, as frases e figuras mais comuns naquele estilo. As melodias são compostas de várias dessas palavras, como orações de uma língua.

Você é um músico que diz empregar o Princípio de Pareto, uma teoria econômica, no trabalho. Como faz isso?

O Princípio de Pareto é a “regra do 80-20”. Diz que 80% dos efeitos vêm de 20% das causas. Isso quer dizer a maioria dos resultados vem de uma fração do trabalho. Então, em vez de tentar aprender todas as palavras de uma língua e a gramática, o melhor é começar com os 20%, que constituem 80% de toda a fala. Com essa visão, desenvolvi um treinamento para ouvir os aspectos mais comuns do choro e, assim, aprender esse gênero com mais rapidez.

De que forma se aplica isso à nossa vida prática?

Ao adquirir habilidade ou conhecimento em algo novo, em vez de tentar aprender tudo, ou seja, a “quantidade” da informação, concentre-se na “qualidade”. Por “qualidade” quero dizer apenas as partes mais úteis primeiro.

Dá para aprender o choro assim?

Para explicar, basta comparar com o meu aprendizado do português. Como aprendi num ambiente em que precisava do idioma para me virar, o mais importante era a comunicação. Reparei que a maioria da fala construía variações das mesmas frases e palavras (os 80%). E fui aprendendo esses elementos para fazer as coisas de que precisava no dia a dia. Da mesma forma, no choro, há certos padrões e elementos de “sotaque” que são igualmente onipresentes.

Existe um modo padrão de tocar?

Um exemplo seria o jeito de tocar o pandeiro. Um toquezinho diferente e já é samba. Em vez de aprender todas as notas da melodia (que é o instinto do violinista), comecei por focar só no ritmo, para garantir que estivesse tocando certo.

O que encontrou de mais singular no choro?

A “malandragem”, ou a brincadeira com a melodia, algo que eu nem seria capaz de reparar até recentemente. Precisou de muito estudo. Ao ouvir a primeira vez, parece só uma variação, mas variações, para mim, significam coisas pré-escritas. A beleza do choro é que a execução da melodia pelo chorão sempre fica cada vez mais diferente. É essa antecipação de “quando” e “como” que faz a brincadeira. É uma coisa que nem é linguística, mas reflete a espontaneidade da comunicação em si, seja musical ou não.

Qual é a sensação de dominar a língua portuguesa?

No início, eu dependia das mesmas 20 frases e palavras e, honestamente, enjoei rapidamente. Com a confiança para improvisar na língua, veio a segurança na roda, quando chega a hora da terceira parte e todo mundo olha para você tirar um solo.

Qual é o ritmo no mundo mais parecido com o choro?

No jazz moderno, brincamos constantemente com novos ritmos. Às vezes, ouço algo nesse contexto que parece meio “chorístico/brasileiro”, mas, aí, penso: “Puxa, eles devem ter escutado bastante a música brasileira!”