RIO ? Consuelo de Castro foi proibida de começar a carreira. Ditadura militar, 1968, o AI-5 chegava, e a ex-militante estudantil tornada dramaturga acabara de assinar a sua primeira peça, ?Prova de fogo?. O texto encantou o diretor José Martinez Corrêa e os atores do Teatro Oficina, que se preparavam para montar a peça quando a censura bateu à porta e colocou os planos de Consuelo e do Oficina abaixo. A peça foi censurada, e Consuelo não pode estrear como dramaturga. Poderia ter desistido. Mas se hoje Consuelo é reconhecida como uma das mais importantes vozes do teatro brasileiro dos anos 1970, isso ocorre porque ela decidiu insistir e escapar, criativamente, da repressão. No ano seguinte, o seu segundo texto, enfim, pode chegar à cena. Ainda empregnada de tempero político, ?À flor da pele? apresentava os confrontos e as turbulências de um relacionamento amoroso vivido entre uma jovem atriz e seu professor. Ela (Miriam Mehler), uma jovem e libertária militante de esquerda; ele (Perry Salles), um homem ranzinza e conservador. Deu certo, e a montagem dirigida por Flávio Rangel chamou a atenção da classe artística para a habilidade da jovem autora em construir diálogos ao mesmo tempo ágeis e densos. Foi uma estreia de respeito, e a peça conquistou o Prêmio da Associação Paulista de Críticos Teatrais (APCT).
Outras peças e prêmios vieram na sequência, como ?Caminho de volta? (1974), que lhe rende o Prêmios Molière, outro APCT, e o prêmio Governador do Estado para melhor autor. A dramaturgia recriava um universo que a autora conhecia bem, o das agências de publicidade, em que ela havia trabalhado no começo dos anos 1970, e posicionava uma crise financeira como o estopim de uma série de conflitos entre sócios e funcionários da agência.
Tanto a agudez de seus diálogos como a capacidade de imaginar situações levou o crítico Yan Michalski (1932-1990) a acreditar Consuelo como uma ?representante destacada da brilhante geração de dramaturgos surgida sob a ditadura?, disse. Em seu tempo, destacaram-se nomes como Plínio Marcos, Leilah Assumpção, entre outros, e Michalski destaca que Consuelo tinha em comum com seus contemporâneos ?o sentimento de inconformismo e indignação. O que a distingue dos outros é a sua excepcionalmente visceral noção de teatralidade, um diálogo notavelmente colorido, que ela cria com uma espantosa espontaneidade, e uma inquietação que a faz partir sempre em busca de novos caminhos?.
E foi isso que ela fez na década de 1980, quando investiga outros formatos dramáticos, menos realistas e socialmente engajados. Entre novas peças e roteiros para a TV, trabalha com o diretor Antônio Abujamra (1932-2015) no espetáculo de dança-teatro ?Uma caixa de outras coisas? (1987), e na adaptação do musical ?Hair?, encenada por Abu no memso ano.
Entre os anos 1990 e 2000, escreve especiais para a TV, ministra cursos de dramaturgia, escreve algumas peças românticas, como ?Only you? (2003), dirigida por Bibi Ferreira, e tem uma nova obra, ?Mel de pedra? (2005), encenada no Rio por Marcus Faustini, atual colunista do GLOBO.
Consuelo de Castro morreu na madrugada desta quinta-feira, aos 70 anos, em São Paulo, onde vivia. Ela enfrentava há seis anos um câncer de mama que se espalhou e atingiu outros órgãos. O corpo de Consuelo foi velado e cremado ontem. A dramaturga deixa dois filhos, a fotógrafa Ana Carolina Lopes e o jornalista Pedro Venceslau.