Dispa-se. Assim, do nada. Sem motivo, sem pudores, sem medo. A liberdade e a nudez são os temas do movimento Naked Lady, do e-shop de moda, décor e lifestyle OH K!, e também da revista erótica cult ?Nin?, que traz o mote ?Naked for no reason? e acaba de lançar a sua segunda edição. Nas duas plataformas, artistas, estilistas, designers, jornalistas e escritores usam o feminismo e a beleza que é tirar a roupa para criarem uma estética questionadora e política.
Foi durante o curso de ilustração botânica no jardim Prinzessinnengarten, em Berlim, que a designer brasileira Karen Hofstetter teve a ideia de criar o movimento Naked Lady. Em uma das aulas, o professor contou sobre uma planta extremamente venenosa, que tem um ciclo de vida inverso: suas flores brotam no outono, as folhas verdes crescem no inverno e, no verão, ela hiberna. Essa planta é chamada de Amaryllis Belladonna, mas o nome popular é The Naked Lady. Isso porque o alto índice de alcaloides na sua raiz faz com que seja fatal aos humanos.
? Nessa hora eu me perguntei: por que uma planta venenosa é chamada de ?a mulher pelada?? O que isso significa em uma sociedade patriarcal e repleta de machismo? O que é feminismo e quem está lutando contra ele? ? lembra Karen, que é fundadora e diretora criativa da OH K!, e vive na Alemanha há 6 anos.
A partir desse dia, ela pensou que era hora de criar conceitos inspiradores para a sua marca. Não seriam mais coleções de acordo com a estação, e sim um tema que faça criadores e consumidores refletirem.
? Questões sociais, econômicas e políticas tratadas de forma poética e artística. Neste ano, o tema inspiração será o direito da mulher e o movimento feminista no Brasil ? explica ela.
FEMINISMO POÉTICO
São 30 marcas, a maioria absoluta comandada por mulheres, e também novas artistas. Todos criaram produtos e fizeram suas interpretações sobre o tema. De marcas como Anacapri, Livo, Benta Studio, Augustana, Mocha, Verkko e Luiza Dias 111 a peças de décor da Olive e da Casa Dobra (que produziram vasos de plantas inspirados pelas formas dos corpos e dos seios) e ainda obras de gente nova como a fotógrafa Naira Mattia. Parte do lucro vai para a ONG de empoderamento feminino Think Olga.
? Quando convidei os colaboradores, não fazia ideia do quanto isso poderia engajá-los. Muitos foram a fundo, dividiram comigo bibliografias, referências e insights que transformaram o Naked Lady em algo bem maior do que eu imaginava ? conta Karen, admitindo que percebeu ser feminista depois de se dedicar ao tema. ? Só agora a ficha caiu. Eu era feminista e não sabia. Acredito que morar seis anos em Berlim tenha me ajudado a desconstruir padrões culturais e a entender a minha relação com o meu corpo, a liberdade e a aceitação. No dia em que eu li Simone de Beauvoir, que cita inúmeras vezes os conceitos de compaixão e empatia, percebi o quanto outras realidades me tocam, me inspiram e me motivam a lutar por um mundo melhor. Com o movimento Naked Lady busco trazer a reflexão para um assunto tão importante. Precisamos falar sobre feminismo ? avisa Karen, que no site do movimento (nakedlady.com.br) fez um trabalho aprofundado sobre o que é o feminismo, em que fala sobre o que busca, lista dados sobre a posição da mulher e os crimes cometidos contra elas, explica conceitos, enfim, faz refletir.
A segunda edição da revista de arte erótica ?Nin? reforça que não é preciso um motivo para ficar pelada. Dessa vez, além do erotismo pensante e da liberdade feminina, Letícia Gicovate e Alice Galeffi montaram uma publicação que trata também da barreira de gênero. Depois de uma primeira capa com a italiana Cicciolina, agora elas escolheram a modelo trans Camila Ribeiro.
? A ?Nin? número 2 exala poder feminino, foi um caminho natural e espontâneo dar voz a tantas mulheres diferentes e incríveis que estão ao nosso redor. Tem a ver com o movimento que estamos protagonizando, com o uso do prazer como fonte de empoderamento, e com o fato do nu feminino ter assumido um papel político e social. Do #freethenipple até a naturalização dos pelos e da menstruação, as mulheres estão posando nuas por muito mais que pura exibição, e o resultado disso tem sido transformador ? conta Letícia.
SER O QUE A MULHER QUISER
A revista, que está à venda na Livraria da Travessa, nas multimarcas Frey Kalioubi e OH K!, conta ainda com ensaio exclusivo do americano Atisha Paulson (que trabalha para revistas como ?I-D?, ?W magazine?, ?Paper?, ?Vogue? e ?Nylon?), mostrando a nudez natural em Girls Next Door; uma entrevista com Lady Tarin, uma italiana que embarca no conceito oposto e só fotografa mulheres superpoderosas que conhece, numa linha Helmut Newton, mas com intimidade; e a diretora de arte da Dior, Alexandra Reghioua, com seu olhar sensível sobre a sexualidade masculina. Também tem as pirogravuras de Nazareno, e ainda trabalhos de Jonas Sá, João Villela, Lia Bock, Julia Debasse e Alice Sant’Anna.
Sobre o momento que o feminino vive, Letícia conta que a revista chega para dar mais fôlego ao movimento.
? A Nin foi criada por duas mulheres, nossa equipe de edição é toda feminina, e ela já começa homenageando uma grande mulher no nome. Para nós, a revista é e sempre será, acima de tudo, um grande elogio a tudo o que é ser mulher. Achamos, sim, uma atitude política e transgressora, tiramos a mulher da posição restrita de objeto erótico e a transformamos no olhar dominante do jogo, seja como editora, artista e criadora, seja como consumidora e voyeur. Não excluímos o seu papel de musa, mas não a limitamos a tal. A mulher pode ser o que quiser ? crava Letícia.
E quem discorda?
(Lívia Breves)