Brasília – O presidente do BC (Banco Central), Roberto Campos Neto, disse ontem (14), em São Paulo, que o mercado financeiro precisa ter “um pouco mais de boa vontade” com o governo do presidente Lula Para ele, com uma priorização de gastos, é possível fazer uma política de combate aos problemas sociais aliada a uma política fiscal responsável.
“Dá pra fazer [uma política] fiscal responsável com uma parte social. O Brasil já tinha problemas sociais, a pandemia agravou muito, gerou muita desigualdade. Acho que dá pra casar as duas coisas. Tem que ter uma priorização de gastos, conversei com a ministra Simone [Tebet, do Planejamento] e ela falou muito sobre isso, sobre melhorar a qualidade de gastos com uma avaliação de programas existentes”, disse durante evento com investidores promovido pelo banco BTG Pactual, em São Paulo.
Programas sociais
Ainda durante o governo de transição, o mercado financeiro mostrou “nervosismo” diante da intenção do governo Lula de aumentar os gastos com programas sociais, o que poderia prejudicar ainda mais a estabilidade fiscal do país, já prejudicada com os gastos do governo com a pandemia. Campos Neto avaliou positivamente o pacote de medidas já apresentadas pelo governo e tem boas expectativas em relação ao novo arcabouço fiscal que será apresentado pelo Ministério da Fazenda, em substituição ao teto de gastos, que limita as despesas do governo à inflação do ano anterior.
“O investidor é muito apressado, muito afoito. A gente tem que ter um pouco mais de boa vontade com o governo, 45 dias é pouco tempo. Acho que tem tido uma boa vontade enorme do ministro Haddad de falar: ‘temos aqui um princípio de seguir um plano fiscal com disciplina, tem um arcabouço que está sendo trabalhado, já foram elaborados alguns objetivos”, declarou Campos Neto.
Em abril, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deve enviar ao Legislativo proposta de lei complementar que estabelece um novo marco fiscal para o país. O governo acredita que isso ajudará a criar um ambiente de atração de investimentos, da mesma forma que o debate da reforma tributária e outros esforços do governo em equilibrar as contas públicas. O presidente do BC avalia que a recuperação da economia no pós-pandemia deve ser inclusiva e sustentável e que a eleição de Lula para a Presidência da República tirou dois impeditivos para investimentos globais no país, que era a agenda ambiental, deteriorada no exterior no governo de Jair Bolsonaro, e o questionamento institucional das eleições.
“Levantei muito essa bandeira em 2019 [sobre a questão ambiental], que era um tema que definiria se o dinheiro vai voltar ou não. Depois o ângulo institucional teve uma percepção e incerteza em relação a isso. Mas tem a boa vontade, o Brasil fez várias reformas que, no efeito cumulativo, vão trazer capital e acho que precisamos entender que o papel do mercado é muito importante”, disse.
Juros altos e autonomia
Na semana passada, o presidente Lula voltou a criticar o nível da taxa Selic, juros básicos da economia, definida pelo Copo (Comitê de Política Monetária) do BC. Na sua última reunião, o Copom manteve a taxa em 13,75% ao ano, o maior nível desde janeiro de 2017, quando também estava nesse patamar. Para Campos Neto, é justo e legítimo o questionamento sobre juros altos e “é importante ter alguém que faça esse papel no governo sempre, faz parte do jogo do equilíbrio natural”. Ele entende que é trabalho do Banco Central esclarecer e melhorar a comunicação sobre a política monetária e que isso poderia ser feito com mais frequência e de forma mais didática.
Pensar em uma política monetária e uma política fiscal de longo prazo é importante para ter um crescimento econômico sustentável, explicou o presidente do BC. “Acho que o governo está na direção certa, tem tido um debate bom, a gente precisa ter boa vontade, falar de juros e ter a crítica [isso] é natural. Quanto mais fortes são as instituições, mais esse debate pode ser intenso sem afetar preços de mercado e expectativas porque as pessoas entendem que esse é um debate natural”, argumentou, defendendo a autonomia do Banco Central.
Segundo ele, o BC quer ser colaborativo, entendendo que é uma instituição de estado, mas que serve como auxiliar em vários tipos de políticas, inclusive prestando opiniões técnicas.
Foto: ABR