O Governo do Paraná regulamentou neste mês os parâmetros de atendimento à população gay, travesti e transexual (GTT) em privação de liberdade no sistema prisional. O documento foi feito pelo Departamento Penitenciário do Paraná (Depen) e contou com apoio de órgãos da execução penal, do Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública e da sociedade civil. A portaria atende parâmetros nacionais e internacionais de respeito aos direitos fundamentais.
Segundo a instrução normativa, devem ser respeitadas a identidade de gênero e a orientação sexual das pessoas dentro das unidades do sistema penitenciário, sendo-lhes garantido tratamento isonômico, convívio social e o pleno exercício de direitos previstos na Lei de Execução Penal. Estão garantidos, também, o uso do nome social, manutenção de cabelos e maquiagem, continuidade de tratamento hormonal, visita íntima e proibição a qualquer forma de discriminação por funcionários e visitantes.
Serão separadas alas nas unidades femininas de Curitiba e do Interior para realizar esse atendimento – estão previstas pelo menos três unidades em polos regionais nos próximos meses. O programa começou a ser implementado na Cadeia Pública de Rio Branco do Sul, na Região Metropolitana de Curitiba, para população GTT provisória (não sentenciada) ou definitiva, com vistas à preservação de segurança de sua integridade física, moral e psíquica. Atualmente, a unidade abriga dez presos e presas com esse perfil.
O diretor-geral do Depen, Francisco Caricati, disse que a portaria é um marco no País e responde a necessidade de proteger qualquer tipo de vulnerabilidade em razão da identidade de gênero ou orientação sexual. “Antes a população GTT ficava dentro das unidades masculinas, sujeitas a qualquer tipo de violência. Nós construímos essa regulamentação a partir de uma conversa muito franca com os órgãos de Justiça e as instituições que defendem os direitos dessa população. Agora, a separação garante o tratamento penal adequado”, afirmou.
Rafaelly Wiest, presidente do Transgrupo Marcela Prado, uma das instituições envolvidas no grupo de trabalho que respaldou o documento, explicou que a iniciativa atende uma decisão do ministro Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou a transferência da população trans para unidades femininas, e ainda o Pacto Nacional de Enfrentamento à LGBTfobia, do qual o Paraná é signatário. “É uma portaria extremamente importante porque confere segurança a essas pessoas dentro do sistema penitenciário. É um ato de respeito”, disse.
Wiest complementou que a intenção é de que a separação não seja compulsória, mas que respeite a autodeclaração da pessoa custodiada.
COMO VAI FUNCIONAR – Nas unidades penais destinadas ao acolhimento da população GTT serão oferecidos espaços específicos de convivência e celas destinadas exclusivamente para as pessoas transgêneros, com objetivo de resguardar todos os seus direitos. Os diretores dessas unidades deverão realizar planos de ação de acolhimento e atendimento.
Às pessoas transgêneros será permitido o uso de roupas femininas ou masculinas, conforme o gênero, e a manutenção de cabelos compridos, maquiagem e tintura de cabelo, garantindo seus caracteres secundários de acordo com sua identidade de gênero. Nas unidades penais onde há disponibilidade de uniforme, a pessoa encarcerada deverá fazer uso das roupas fornecidas.
Também será garantido o direito à visita social e íntima para a população GTT. A confecção da carteira de visitante e a realização de visita deverão ocorrer sem distinção de identidade de gênero ou orientação sexual, seguindo apenas a documentação exigida pelo Depen.
A portaria assegura o respeito ao nome social adotado pelas pessoas transgêneros privadas de liberdade ou que integrem o rol de visitantes e determina que todos os documentos administrativos de identificação deverão conter um campo para registro do nome social. Os profissionais que atuam no sistema prisional também deverão respeitar a escolha e utilizar somente o nome social no dia a dia.
Também será garantida à população GTT em situação de privação de liberdade a atenção integral à saúde, atendidos os parâmetros da Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Para as pessoas transgêneros, serão permitidos a manutenção do seu tratamento hormonal e o acompanhamento de saúde, além da distribuição de insumos para sexo seguro.
O texto veda a transferência compulsória entre celas ou alas como forma de punição em razão da orientação sexual ou identidade de gênero. Também garante que, em função da aplicação de sanções disciplinares, a população GTT não será exposta a qualquer tipo de violência física, moral, psicológica e ideológica. As inspeções padronizadas e efetuadas para fins de segurança não deverão expor presos e presas a constrangimentos.
Será garantido, ainda, o acesso e a continuidade da formação educacional e profissional, e, nos programas de educação permanente e continuada aos profissionais dos estabelecimentos penais, será incluída formação com conteúdos na perspectiva dos direitos humanos e princípios de igualdade e não discriminação, inclusive em relação à orientação sexual e identidade de gênero.
GTT – Para efeitos da instrução normativa, o Depen entende por GTT a população composta por gays, travestis e transexuais, em consonância com a I Conferência Nacional de Políticas Públicas para a população LGBT de 2008. Considera-se travestis e transexuais pessoas que socialmente e/ou psicologicamente são de um gênero que não corresponde ao gênero determinado em seu nascimento, podendo ou não ter realizado modificações corporais de acordo com sua identidade de gênero.
REGULAMENTAÇÃO – A regulamentação paranaense está em consonância com a Resolução Conjunta 1/2014 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) e do Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD/LGBT), que estabelece parâmetros mínimos de acolhimento dessa população no sistema penitenciário, e uma decisão do Supremo Tribunal Federal (ADI 4275) que reconhece aos transgêneros que assim o desejarem, independentemente da cirurgia de transgenitalização ou da realização de tratamentos hormonais ou patologizantes, o direito à substituição de prenome e sexo.