Foz do Iguaçu – Um segmento bilionário e que abastece 53% do mercado nacional, o contrabando de cigarros ganha força com quadrilhas formiguinhas que voltam a se fortalecer na fronteira do Brasil com o Paraguai, por onde passa a maioria do cigarro que entra ilegalmente no Brasil.
Segundo diagnóstico da Polícia Federal, há dez anos havia cerca de 20 quadrilhas de médio porte na Costa Oeste, fronteira do Brasil com o Paraguai, atuando no transporte de cigarros ilegais. Hoje são pelo menos 30, além de dezenas de grupos menores, que começam com volumes mais tímidos de mercadoria até ganhar corpo. Eles operam em 150 a 200 portos clandestinos no Rio Paraná, que na prática são apenas clareiras abertas no meio da mata com espaço suficiente para que as lanchas superpotentes atraquem e descarreguem as milhares de caixas de cigarro, as quais são carregadas em veículos que seguem para depósitos na região e depois ganham o Brasil.
A Polícia Federal afirma que esse é um tipo de crime que tem voltado a crescer exponencialmente, especialmente devido à crise brasileira que obrigou muitos desempregados a migrarem para a informalidade criminosa e à grande margem de lucro do produto ilegal tem diante do cigarro nacional, que passa de 240%.
Esses são alguns dos pontos avaliados pelo estudo “A Lógica Econômica do Contrabando”, apresentado pelo Idesf (Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras) num relatório que faz parte de uma sequência de trabalhos voltados a entender como funciona e quais são as motivações que levam os crimes de contrabando a tomarem conta da pauta nas áreas de fronteira do Brasil.
Além disso, há outro fator preocupante. O contrabando só conseguiu se estabelecer de maneira tão intensa devido aos atos de corrupção, mais precisamente o envolvimento de agentes públicos que deveriam promover a segurança pública, mas que estão a serviço do crime organizado. “É uma parcela pequena dos agentes, bem pequena, a maioria é honesta, faz seu trabalho com excelência, mas sabemos que o envolvimento de agentes com a conivência e a facilitação existe. Prova disso são algumas operações que temos realizado para tirar esses maus profissionais da segurança das suas funções”, admite o delegado-chefe da Polícia Federal em Cascavel, Marco Smith.
Em um mercado que movimenta quase R$ 9 bilhões por ano apenas com o contrabando de cigarros, o diagnóstico do Idesf revela que 9,5% é apenas para pagar os agentes corruptos. Na prática, isso significa que são pagos em propina e fomento à corrupção quase R$ 1 bilhão por ano.
Rota do contrabando
Considerando que boa parte do cigarro que entra ilegalmente no Brasil vem da fronteira com o Paraguai com os estados do Paraná e do Mato Grosso do Sul, boa parte desses valores fica na região para abastecer e garantir a rota bem traçada para o crime que financia as principais facções criminosas do País. “A nossa região facilita esse processo de contrabando e de tráfico porque está repleta de estradas bem cuidadas, cheias de rotas que dão vazão a essas mercadorias, No Norte do Brasil isso fica mais limitado por vias terrestres porque são poucas rotas e o transporte teria de ser feito por aviões, o que encarece muito todo o processo”, avalia o economista especialista em fronteira e mestre em gestão e autor do estudo, Luciano Barros.
Rotas facilitam o contrabando e falta gente para fiscalizar
Ocorre que tudo isso ainda pode ser apenas a ponta do iceberg. Ainda de acordo com o estudo do Idesf, somente de 5% a 10% de tudo o que passa de cigarro contrabandeado é apreendido pelas polícias.
Outro problema relacionado ao contrabando e ao tráfico na chamada Fronteira Sul são os mais de mil quilômetros de fronteira seca. “Além do envolvimento de alguns agentes, faltam profissionais e ações mais efetivas de controle do que passa. A fronteira do Brasil com o Paraguai, pelo que se desenha, é uma das mais vulneráveis do País por representar uma porta de acesso do contrabando, das drogas, das armas e das munições que abastecem o Brasil”, explica o economista Luciano Barros.
Outro ponto relevante para manter índices preocupantes de crescimento do contrabando está na lateralidade cada vez maior desse tipo de crime. Ou seja, ainda há uma parcela relativamente grande da população que não enxerga o contrabando como uma prática ilegal. “A conivência da sociedade é um ponto importante para que o contrabando avance. Tanto é que muitas vezes o contrabandista que é preso afirma que só estava transportando cigarros, não tinha nada de mais grave no veículo”, revela o delegado da PF em Cascavel, Marco Smith.
Facções
Ocorre que grandes grupos criminosos brasileiros enxergaram – e não é de hoje – um traçado importante e um mercado promissor no tabaco ilegal.
Segundo a Polícia Federal, grupos criminosos como o CV (Comando vermelho) e o PCC (Primeiro Comando da Capital) atuam no contrabando de cigarros há anos. Com a rota já traçada, as cargas milionárias costumam esconder, além do fumo, drogas, armas de grosso calibre e muita munição. “Tanto é que a máquina que destrói cigarros contrabandeados em Foz do Iguaçu precisou ser blindada devido a tantos projéteis que acabam sendo destruídos e que estavam escondidos em meio às carteiras de cigarros”, completa Marco Smith.
Criminalidade explode na Costa Oeste
Marechal Cândido Rondon – O contrabando de cigarros estimula o aumento dos crimes periféricos, sobretudo furtos e roubos de veículos com motores potentes e bastante espaço interno para satisfazer um crime que literalmente atravessa fronteiras.
Nas cidades da Costa Oeste do Paraná, moradores relatam o terror que virou sua rotina. São registrados furtos e roubos diários, daqueles com bastante violência, com armas apontadas para a cabeça de famílias inteiras feitas reféns. A escolha desses municípios tem uma explicação lógica geográfica: quanto mais perto da fronteira, mais fácil e rápido para os criminosos atravessarem. As placas dos veículos chamam menos atenção dos agentes de segurança e em poucos minutos o veículo já está no país vizinho a serviço de um mercado que não para de criar tentáculos.
A insegurança registrada nesses municípios já foi tratada a portas fechadas na última reunião da Amop (Associação dos Municípios do Oeste do Paraná), em dezembro.
O assunto é tratado com cautela e os gestores se esquivam.
Dois prefeitos procurados pela reportagem do Jornal O Paraná pediram para não falar sobre o assunto.
O presidente da Amop, prefeito de Maripá, Anderson Bento Maria, também foi evasivo e disse apenas que os gestores tratam do assunto com cautela, que vez ou outra o tema é discutido nas reuniões, que são feitos pedidos específicos sobre isso, mas que não é dado publicidade a essas informações para que “sobre para os gestores”, indicando que até os administradores públicos se sentem reféns do crime organizado.
Dois veículos roubados por dia
O avanço desenfreado do crime na fronteira tem apavorado moradores, sobretudo em municípios mais próximos do rio que separa Brasil do Paraguai. O principal movimento que assombra esses moradores são os assaltos a residências, mas principalmente de veículos.
Segundo dados da Sesp (Secretaria de Segurança Pública do Paraná), de janeiro a setembro de 2018 – dados mais recentes compilados – as regiões abrangidas pelos núcleos de segurança de Toledo, Cascavel e Foz do Iguaçu – que cobrem todo o oeste do Estado – registraram 959 roubos a veículos, uma média de mais de dois por dia.
Se considerados os furtos, sobem para 15 veículos levados a cada dois dias pelos ladrões, num total de quase 2 mil carros furtados de janeiro a setembro de 2018, segundo a Sesp.
“Esse crime abastece o contrabando. Parte desses veículos cruza a fronteira para serem usados no transporte desses produtos”, lembra Luciano Barros, do Idesf.
“Em um dos nossos estudos detectamos que há 15 ou 20 anos os carros mais usados pelas quadrilhas eram os mais velhos, porque, se fossem pegos, a perda era pequena. Com a oferta de crédito e as facilidades de financiamentos, as quadrilhas passaram a usar laranjas para comprar os veículos melhores e não se preocupavam mais com as operações policiais. Agora, nessa reinvenção das quadrilhas, os veículos usados em 90% dos casos são roubados ou furtados”, lista o economista.
Desidratação das quadrilhas e educação à população
Para o economista especialista em fronteiras Luciano Barros, a condição vivida pela região oeste do Paraná não é de característica única quando o assunto são fronteiras.
Com 16,8 mil quilômetros de fronteira brasileira, passando por 11 estados e 588 municípios e concentrando mais de 10 milhões de habitantes, a vulnerabilidade tem a ver com a falta de políticas públicas para seus respectivos desenvolvimentos, as características que por si só se voltam às facilidades do mundo criminoso, com uma oferta demasiada de postos informais de trabalho a serviço do crime organizado. “O contrabando é apenas uma porta de entrada para outros crimes. Em um passado recente, o tráfico de drogas e armas era muito violento, com uma logística diferente. Hoje essa logística se mescla muito com o contrabando, uma espécie de especialização no transporte dessas mercadorias, O crime se sofistica, o contrabando então empresta sua logística para o tráfico de drogas e armas e acaba sendo a porta de entrada para os outros crimes”, explica Luciano e acrescenta: “Esse é um novo ciclo e o contrabando sobrevive porque dá lucro. Se os preços no Brasil fossem similares ou com menos diferença, o contrabando de cigarros não seria viável”.
Especialista e estudioso da área há quase 30 anos, Luciano Barros afirma que alguns caminhos podem ser percorridos nesse enfrentamento com sucesso. De forma mais imediata, ações cada vez mais efetivas na fronteira, com operações e pentes-finos para evitar o movimento de entrada dos produtos ilícitos seriam essenciais, mas principalmente ações de médio prazo, com investimento em educação. “Crianças e adolescentes atendidos pela educação hoje, com uma boa orientação, em sete ou dez anos não vão migrar para o crime. Isso é essencial. Se uma criança de sete anos for orientada adequadamente desde já, aos 14 anos ela não vai sonhar em ser contrabandista, não vai se envolver com o crime, mas é preciso pensar nas duas frentes agora”, alerta.
Combate
Para o economista, o combate direto seria a desidratação financeira das quadrilhas, com políticas que pudessem identificar e fazer a reordenação tributária, entender o movimento desses grupos e tirar deles o poder financeiro e econômico adquirido pelas vias ilegais, além de ter as fronteiras vigiadas como prioridades de fato. “Às vezes, dar atenção aos grandes centros chama mais atenção pública, mas pelas fronteiras entram armas, drogas, o contrabando, aquilo que abastece o crime organizado… Toda droga, toda arma e todo contrabando passam por aqui”, reforça Luciano.
“Temos agora como ministro da Segurança o Sérgio Moro, que é do Paraná, o diretor-geral da Polícia Federal também já atuou aqui, então eles conhecem e sabem a importância de cuidar da fronteira”, conclui.