Adotar é perfilhar por opção, isto é, criar um elo de parentesco por voluntariedade. Para alguns, é o único caminho para a realização da parentalidade, para o menor, o caminho para o sonho de um lar. Crianças com vidas despedaçadas, pela morte ou por maus tratos, estão aos cuidados do Estado, em um abrigo ou em famílias substitutas, de forma temporária. O elo se realiza diante do procedimento de adoção.
No procedimento, o objetivo maior é o arranjo da criança ou do adolescente em um lar, em que possa haver a proteção de todos os seus direitos inalienáveis, mas, em especial, o reconhecimento do amor e do acolhimento, de forma duradoura. Contudo, o procedimento apresenta inúmeras fases, a fim de garantir a melhor escolha aos interesses do menor, desde o preenchimento do cadastro até a sentença que constitui a paternidade.
Uma das últimas etapas é a do estágio de convivência, em que se inicia a residência entre os pretensos adotantes e o futuro adotado, com acompanhamento e orientação de equipe técnica do Poder Judiciário, por um período de 90 dias. Esse período se dá para adaptação das partes à nova realidade e para a efetiva criação do vínculo socioafetivo, o que nem sempre ocorre. As expectativas, de ambas as partes, pode não se coadunar com a realidade, de modo que é prevista a possibilidade de desistência nesse período.
Apesar da disposição legal que garante a desistência, esse procedimento trata de sonhos, expectativas e frustrações, de menores que já advém de uma estrutura familiar fragilizada. Por vezes, aguardaram anos por uma chance e esta acaba sendo desperdiçada porque ainda se atrela, sobremaneira, a adoção à vontade dos pais, como se fossem em uma vitrine escolher qual par de sapatos melhor se adapta à sua ocasião. São indivíduos, com suas qualidades e defeitos, com seus sonhos e seus traumas. Por esse motivo, os tribunais têm entendido que quando essa desistência seja imotivada ou por motivo fútil, pode ser possível o pagamento de indenização por danos morais.
Embora a adoção seja irrevogável, de modo que não seria cabível a desistência após a sentença judicial, com a confecção de nova certidão de nascimento, há casos de pais pleiteando a revogação do procedimento e a desconstituição da paternidade, por incompatibilidade entre as partes. Nesse caso, não há amparo legal para esta conduta, ensejando ilícito (para alguns de abandono de incapaz) e as consequências jurídicas possíveis. Também é possível o pagamento de indenização por danos morais e há entendimento quanto à obrigação alimentar (sem consenso entre doutrinadores e tribunais), apesar da desconstituição do vínculo.
Além dos entraves jurídicos e burocráticos para a conclusão do procedimento adotivo, os preconceitos são muros na construção de relações verdadeiras e duradouras, que podem causar danos e, portanto, podem ensejar indenizações, diante da ausência de afetividade. Assim como ensinava Lilo ao Stitch, na animação Lilo & Stitch, “Ohana quer dizer família. Família quer dizer nunca abandonar ou esquecer”, de modo que se ama o perdido, ainda que confunda o coração, pois as coisas findas é que ficarão, segundo Drummond…
Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas