Opinião

Direito da Família: Registro e os efeitos na afetividade

Para além do ato de amor, a filiação depende de solenidade para produção dos efeitos jurídicos de forma plena. Em vista da segurança jurídica, o elo de parentesco entre pais e filhos decorre de presunção legal ou de ato de vontade; no primeiro caso, a parentalidade está atrelada à conjugalidade, sendo um critério de presunção relacionado à exclusividade das relações conjugais; no segundo, por não haver presunção, há necessidade de manifestação de vontade para o reconhecimento da filiação.

A solenidade que garante a publicidade para a devida produção de efeitos dos atos é o registro. Embora o indivíduo seja titular de direitos desde o seu nascimento com vida, é o ato do registro que lhe garante a cidadania e a existência jurídica.

Porém, os atos jurídicos podem conter vícios relacionados a erro ou manifestação da vontade. No que diz respeito ao reconhecimento de filhos, é possível que haja equívoco sobre a manifestação da vontade do ato, o que pode ensejar a retificação do registro civil. Destaque-se que tal equívoco deve decorrer de falsa percepção da realidade que embasa a vontade, não podendo configurar simples arrependimento, pois o registro é ato irrevogável.

Em caso de erro simples, com constatação imediata, como erros de grafia, a retificação do registro pode ocorrer pelo próprio cartório, com oitiva do Ministério Público. Porém, a correção quanto o eventual erro sobre a filiação, por depender de prova, depende de ação específica, voltada à desconstituição da paternidade, quer no caso de presunção legal, quer no caso de reconhecimento voluntário.

A complexidade advém do fato de a paternidade não se assentar mais tão somente nos aspectos biológicos, diante da ascensão da afetividade enquanto vetor normativo das relações familiares. Assim, além da necessidade de demonstração da ação eivada de erro ou vício de vontade, é imprescindível a comprovação da ausência de vínculo biológico. Isso porque, pode ter sido estabelecida paternidade socioafetiva e, em nome do melhor interesse da criança ou do adolescente, o vínculo não se desconstitui mesmo em caso de erro registral.

Os fundamentos da desconstituição do vínculo biológico, porém, não podem se assentar em vontade livre e consciente de registro diferente da realidade. Aliás, essa conduta é tida como criminosa; não se pode registrar filho alheio como seu, a fim de evitar situações como tráfico ou sequestro de menores. Porém, mesmo com a ausência de boa-fé, é possível a regularização da situação, mediante o trâmite regular de adoção, garantindo-se a prioridade do vínculo afetivo, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.

A disparidade entre a realidade e o registro civil pode afetar a identidade e os direitos fundamentais dos indivíduos envolvidos. Embora a ponderação perpasse a afetividade como “norte”, busca-se a mitigação dos efeitos das incorreções registrais, mas os efeitos, especialmente quanto ao pertencimento, propagam-se indefinidamente, como ondas da água parada quando lançada uma pedrinha.

Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas