Opinião

Poder sobre si

A paternidade deve ser uma escolha para que os pais não se tornem apenas genitores, isto é, apenas tenham vínculo biológico e obrigações que cumprem apenas por imposição legal, mas que decorra do afeto. Assim, o planejamento familiar é um direito das pessoas em qualquer estado civil, de modo a definir sobre a formação da sua família (com ou sem filhos, quantos filhos,…). É uma liberdade, garantida pelo Estado, que deve ter, como contrapartida, a responsabilidade. Assim, há uma correlação entre planejamento familiar e paternidade responsável.

O Poder Público não deve gerenciar os direitos reprodutivos dos cidadãos, mas garantir mecanismos para que estes os exerçam com informação. Dessa forma, os órgãos de saúde pública devem fornecer métodos contraceptivos, feminino e masculino, além de garantir informação aos pacientes para que estes possam, de forma autônoma, decidir como vão exercer seus direitos.

Não pode, assim, haver coerção ou imposição do Estado ou mesmo do profissional de saúde sobre as decisões do planejamento familiar, mas a apresentação dos métodos disponíveis que são indicados ou contraindicados conforme o histórico do paciente. Deve se levar em consideração, por exemplo, se a contracepção será temporária ou definitiva (sem possibilidade de reversão) e ainda sobre os aspectos de saúde individual.

No que tange ao planejamento familiar na relação conjugal ou de convivência, a comunhão plena de vida, enquanto objetivo dessa relação, deve estar alinhada também no que diz respeito à decisão sobre a constituição familiar. Contudo, isso não enseja autoridade sobre o corpo do parceiro. Assim, a nova lei sobre esterilização feminina e masculina não exige mais a autorização expressa do parceiro para o procedimento. Ambos são considerados plenamente capazes para decidir sobre seus direitos reprodutivos e sobre o próprio corpo, em respeito à autonomia privada e à dignidade humana.

Dentre os vários métodos contraceptivos disponíveis, a esterilização tem característica de permanência e irreversibilidade, de modo que a decisão deve ser sopesada antes de sua efetivação. Assim, quando se busca a laqueadura ou vasectomia, é imprescindível o termo de consentimento informado (com as informações necessárias para a tomada de decisão) e o lapso temporal mínimo de 60 dias (em que haverá acompanhamento médico). Não ocorre de ímpeto. Mesmo nos casos de laqueadura em período de parto, deve haver a antecedência mínima de 60 dias entre o pedido e o procedimento.

Outro ponto que merece destaque dessa nova lei é a idade mínima que foi reduzida para 21 anos para homens e mulheres, não havendo necessidade de já ter filhos para a realização da esterilização. É a demonstração da autonomia no planejamento familiar, garantindo a liberdade na definição da prole. Não se deve olvidar que esse procedimento não tem relação com infecções sexualmente transmissíveis, cujo procedimento mais seguro ainda é o uso de camisinha (masculina ou feminina).

Quanto aos filhos, a autonomia privada resguarda as pessoas de tomarem decisões sobre seus aspectos corporais e subjetivos, sendo imprescindível a informação para repelir pressões externas, mas também fomentar a responsabilidade pessoal em prol da autorrealização. Essa lei vislumbra, portanto, o empoderamento dos indivíduos de forma equitativa e desarraigada do padrão familiar patriarcal de manipulação dos corpos femininos.

Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas