A justiça usa venda para ser imparcial, porém, não raramente, é o fato de ser seletiva em sua visão que leva às injustiças. Dentro da lógica do sistema, existem coisas que estão sob os narizes de todos, mas cria-se uma cortina de fumaça ou algo que impeça a visão. Enquanto se brada aos ventos que existe igualdade entre gêneros, é fato que muito do que é suportado pela mulher é invisibilizado. Não é invisível, está latente, mas é tornado ilusão a quem quer o discuta.
Quando uma boneca é alvo de críticas por não ser dócil e agradável aos telespectadores ávidos pela leveza de um longa-metragem com a coisificação da mulher, mas recebem questionamentos, percebe-se que a balança não goza de prato em equilíbrio. Na pretensa igualdade formal, o sofrimento humano se esvai como um grito mudo a um sistema que traz privilégios a um tipo de trabalho: o remunerado.
Contudo, a manutenção das famílias e, por conseguinte a do sistema, não deve receber qualquer contraprestação, visto que é apenas uma obrigação: da mulher. Como ousariam elas desafiar a lógica biológica que dependeu de enorme esforço intelectual para criação e manutenção subliminar? Presumidamente está perdendo sua feminilidade… Tenham dó, perde-se, em verdade, a humanidade quando se despeja a sobrecarga sobre as costas de um só e diz-se que há igualdade de deveres e obrigações nas relações conjugais.
Manter a família e criar indivíduos autônomos (que se tornarão peças da engrenagem do sistema) é dispendioso, em quesitos de tempo e energia, sendo que depende majoritariamente da mãe (ainda que seja solo de pai “presente”). O cuidado não é só amor, também é um trabalho, muitas vezes insalubre, de modo que deve ser visto e reconhecido, senão remunerado. Mas remanesce na informalidade.
Tendo em vista que a seguridade social destina-se ao cuidado da sociedade para com os mais vulneráveis, em um sentido solidário, nada mais justo que as mulheres que sustentam o sistema com seu trabalho invisibilizado sejam devidamente protegidas e reconhecidas juridicamente. Dessa forma, o período de recebimento do salário maternidade conta como tempo de contribuição para a aposentadoria, além de tempo de carência para benefícios previdenciários, mesmo em caso de aborto, bebê natimorto ou filiação por adoção.
Além disso, tem-se discutido a possibilidade de aposentadoria por cuidados maternos às mulheres maiores de 60 anos que tenham filhos, mas não o tempo de contribuição necessário para outras formas de aposentadoria, de modo a corrigir distorções históricas que impactam a segurança de milhares de famílias de forma corriqueira.
Afinal de contas, para a mãe sair de casa trabalhar formalmente precisa, além do trabalho, de alguém para cuidar do(s) filho(s), horários flexíveis, possibilidade de sair para emergências hospitalares recorrentes, bem como disponibilidade do celular para eventualidades. O homem só precisa de um trabalho.
Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas