Opinião

Diálogo de Surdos

Por Acedriana Vicente Vogel

Imaginem a cena: um professor que repete, repete, repete, sempre da mesma forma, um mesmo conteúdo, em diversas classes, imaginando ter feito a parte que lhe cabe como docente. E um aluno que, por sua vez, lhe diz “eu não entendi!” Vejam que, o “eu não entendi”, não necessariamente tem alguma relação com “eu não ouvi” (o que foi inúmeras vezes dito). O professor, com boa vontade, repete novamente o mesmo conteúdo e, exausto, busca justificar o “eu não entendi” sob alguns prismas:

“Só pode ser uma afronta desse menino!” – trata-se de um problema de comportamento para ser resolvido pelas autoridades escolares (orientação, supervisão, direção), esperando as devidas providências disciplinares.

“Esse menino precisa de tratamento!” – aceitando que se trata de um déficit cognitivo, provavelmente proveniente de um mau trabalho nas séries anteriores – e encaminha para profissionais extraescolares (psicólogos, psicopedagogos, médicos…).

“Esse menino precisa de ajuda!” – entendendo a situação como um problema de ajustamento e que cabe uma investigação familiar para compreender a sua incapacidade para aprender algo tão bem explicado.

Ou ainda, pode esperar até o fim do ano para dar um veredicto, dizendo que “será melhor para ele repetir novamente a série” e, quem sabe, “procurar uma outra escola na qual ele se adapte melhor”.

Essa história foi descrita pelo professor Júlio Groppa Aquino e, sem dúvida, é muito familiar para todos que trabalham em um ambiente escolar. Afinal, seja qual for o seu desfecho, há uma “sensação de um dever cumprido”.

E a pergunta que fica é: que parte cabe ao professor nesse contexto? Se o aluno aprende, é porque o professor ensina. Se não aprende, é porque apresenta algum tipo de problema?

Quando afirmamos que o ofício docente é uma arte capaz de reunir várias ciências, envolve a necessidade premente de conhecer a fundo como o aluno aprende e, portanto, quais as formas de intervenção pedagógica que devem ser articuladas. Há professores que se veem como apresentadores de conteúdo, quase um telejornal presencial, esquecendo-se que existe uma diferença abissal entre a função da mídia e a da escola. A mídia trabalha com a difusão da informação e entretenimento, enquanto a escola desenvolve um trabalho intenso e complexo com o conhecimento, porém, não menos prazeroso.

O professor não é um difusor de informações, nem um animador de plateia, da mesma forma que o aluno não é um espectador ouvinte nem um consumidor de notícias. Despertar o desejo por conhecer mais e melhor o mundo que nos cerca é o foco do trabalho docente, nosso maior valor. Quando o conhecimento não é compreendido como um valor, corremos o risco de produzir consumidores de informações esvaziadas de contexto e de pertinência. Logo, se essa informação não ampliar, aperfeiçoando aquilo que já conhecemos, nos fazendo melhores, faltou-lhe a dimensão pedagógica.

Nessa perspectiva, não internalizamos informações da forma como ela se apresenta, mas as ancoramos em conhecimentos anteriores e paralelos, de modo a ressignificá-las, de maneira única e intransferível. Ancorar é encontrar o “fio da meada” para tecer, num processo interno e pessoal, as tramas do que pretendemos conhecer – e é por meio do conjunto do que conhecemos que o mundo nos é mais inteligível. Esse processo evidencia-se na construção etimológica da palavra complexidade, que encontra a sua origem em complexus, ou seja, aquilo que é tecido junto. Por esse motivo é que entendemos que a complexidade do trabalho do professor está nas possibilidades de ampliação, em cada aluno, nas formas de ver e produzir o mundo e não na imposição da sua lógica exposta por meio de um “diálogo de surdos”.

Acedriana Vicente Vogel é diretora pedagógica do Sistema Positivo de Ensino