Opinião

Coluna Direito da Família: O fim e seus dissabores

No rompimento do conto de fadas, emergem as questões patrimoniais. Especialmente quando os anos de sabedoria e construção de patrimônio em comum culminam em dissolução da vida em comum, que tem dado origem ao fenômeno do “divórcio grisalho”: o divórcio entre pessoas de mais idade. Com a normalização do fim dos relacionamentos conjugais e de convivência, o modelo de família anterior encontra seus percalços, inclusive para aqueles que vivenciaram outra época.

Nesse momento de por fim a uma trajetória em comum rumo à carreira solo, os aspectos patrimoniais detêm grande peso na decisão e na relação entre os ex-companheiros, bem como aspectos simbólicos que impactam nos direitos das partes. Discute-se, atualmente, a possibilidade de imposição da retirada de conteúdo das redes sociais com a separação ou divórcio. Como outrora se questionava o direito ao nome enquanto integrante da personalidade, a imagem ganha notoriedade na era digital, em que a promoção da autoimagem está relacionada à construção da identidade.

São alguns dos dissabores do rompimento que os tribunais têm enfrentado recentemente, para além dos aspectos financeiros. Quanto a estes, a partilha de ativos não encontra grandes questionamentos no senso popular, especialmente no que se refere ao estabelecimento do regime de bens mais comum: o de comunhão parcial de bens. Neste regime, são formadas três massas patrimoniais distintas: as dos cônjuges, enquanto patrimônios próprios, e a massa comum, constituída, em grande medida, pelos bens adquiridos onerosamente na constância do casamento e da união estável.

Nesse regime, quando alguém presenteia com uma “mera lembrancinha” configurada em um bem, como carro, imóvel, jatinho, esse ato de presentear é entendido juridicamente como doação, de modo que o presente passa a integrar o patrimônio pessoal do agraciado, não sendo dividido em sede de partilha de bens, salvo se causar redução do patrimônio do doador, comprometendo-lhe a subsistência.

O que dificilmente é considerado na escolha do regime de bens são as dívidas, as quais também podem integrar o patrimônio comum. Afinal patrimônio envolve os ativos e os passivos, isso quer dizer, o saldo positivo e o negativo; os bens e as dívidas. Estas, quando comuns, precisam ser saldadas para a devida partilha de bens.

Em qualquer regime de bens, as dívidas para a manutenção da vida em comum são compartilhadas entre os cônjuges ou companheiros, inclusive no regime de separação total de bens. Assim, as despesas da casa e os custos dos filhos em comum são partilháveis e devem ser definidos em sede de divórcio. No regime supletivo (comunhão parcial de bens), são comuns também as dívidas posteriores à celebração do casamento ou instituição da convivência, ainda que realizada por um dos cônjuges ou companheiros, quando não houver obrigatoriedade de anuência.

No regime de comunhão universal de bens, porém, é possível a comunhão das dívidas anteriores à relação, quando estas forem revertidas em patrimônio comum. Neste caso, o ex-cônjuge pode ser obrigado a saldar a dívida, dentro da sua proporção, independentemente de discussão de culpa para a realização do divórcio. Ou seja, mesmo que seja traído, pode ser acionado judicialmente, e ter bens constritos, para a quitação da dívida comum. São os dissabores da convivência conjugal, ou melhor, do seu fim.

Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas